Os historiadores da arte debatem com indisfarçado entusiasmo a crise que acompanha sua disciplina. Atentos às limitações de um relato que se fazia linear e evolutivo, que tentava dar conta de tudo e deixava de olhar uma porção de coisas, eles passaram a propor não mais uma História da Arte, mas uma profusão delas.
Com sorte, caberia aí a narrativa - exclusivamente visual - de vivi uma história da arte, lançamento da editora Modelo de Nuvem, de Caxias do Sul. O título do livro vem em minúsculas, já que nomeia, de fato, uma história particular; de quebra, encerra um segundo jogo de palavras. Viviane "Vivi" Pasqual assina o volume. Ao longo de 220 páginas, a artista ergue uma espécie de meta-história da arte, com cem desenhos em hidrocor. Seu ângulo é iconoclasta, entre a paródia e a homenagem. Em sua versão para O Pensador, de Rodin, por exemplo, o sujeito aparece daquele jeito ensimesmado porque um passarinho fez cocô quase na sua cabeça.
Ao longo do livro, Vivi Pasqual enfileira em ziguezague - seguindo a ordem alfabética por sobrenome - os artistas de sua admiração. A seleção passa por Leonardo e Michelangelo, recua a Cimabue e Giotto, alcança Marina Abramovic e Mathew Barney, e não despreza os amigos da autora, aqueles que moram aqui perto: Elida Tessler, Lia Menna Barreto, Rommulo Conceição. Às vezes, Vivi se concentra na produção mesma desses artistas; às vezes, em seu entorno (Iberê Camargo é lembrado por seu gosto por bicicletas e pelo prédio que leva seu nome). Tudo isso se constrói de uma forma muito pessoal, algo dionisíaca - com alegria e sedução. O traço e a qualidade do humor flertam com o cartum mais paspalho, ao mesmo tempo em que estão carregados de referências das mais sofisticadas. A artista foi aluna de Jailton Moreira e, com os grupos orientados por ele, viajou por Europa e Ásia. Estudou, observou, interpretou - in loco. Vivi viveu uma história da arte.
Os textos de Enéas de Souza sobre cinema guardam as mesmas virtudes de suas análises como economista: densidade, rigor, erudição. O curta-metragem Os Filmes Estão Vivos, premiado em Gramado, sublinha ainda outra qualidade do crítico: a verve afiada e bem-humorada. O documentário acompanha Enéas ao longo de uma semana em Paris, enquanto ele vai ao cinema e conversa depois das sessões com Fabiano de Souza (seu filho) e Milton do Prado Franco. As entrevistas se dão, literalmente, em clima de mesa de bar. A prosa corre sensível, divertida. Pena que é só um curta. Na estreia em Porto Alegre, no sábado, o público deixou o cinema pedindo para ver mais.