O que significa ser um soldado, um homem filiado a uma rotina de disciplina e obediência, numa terra erma em que não se sabe muito bem a que leis - e a que reis - obedecer?
É essa uma das interrogações que cada um dos personagens do romance Quatro Soldados, de Samir Machado de Machado, tem de responder, a sua maneira. O romance, que Samir autografa na quinta-feira, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping, é uma obra que vai ao passado do Rio Grande do Sul para construir uma movimentada trama de aventuras.
Quatro Soldados é e ao mesmo tempo não é um romance histórico. Talvez fosse melhor definido como uma narrativa pós-moderna. Embora situe com alguma precisão os eventos que narra, em meados do século 18, no território disputado e de posse indeterminada entre Colônia do Sacramento (hoje no Uruguai) e a vila de Laguna (em Santa Catarina), o livro não se fecha para as influências de outros gêneros, e brinca em agregar também toques de horror, ficção científica, narrativa policial e história de aventuras ao estilo "capa-e-espada". É antes uma construção ambientada no passado do que um romance histórico ou "historicamente correto", como formulou certa vez Dyonélio Machado.
- Houve um momento em que comecei a me questionar e cheguei à conclusão de que escrever um romance histórico não é muito diferente de escrever uma fantasia. Embora haja um lastro histórico, Quatro Soldados é uma fantasia embasada no Rio Grande do século 18, e eu assumi a impossibilidade de que é impossível reconstruir a mentalidade do período sem apelar para a invenção - diz Samir, que é também editor, organizador das coletâneas Ficção de Polpa e autor do romance O Professor de Botânica (2008).
Não apenas os soldados vêm em número de quatro na narrativa, que, a bem dizer, é uma coletânea de quatro episódios aventurescos interligados. Os homens de armas que as protagonizam, às vezes sozinhos ou às vezes em grupo, são todos engajados ou desertores do Regimento de Dragões de Rio Pardo, servindo no território bem no momento em que as disputas e os acordos territoriais entre Espanha e Portugal darão origem à sangrenta guerra guaranitica. São eles o jovem alferes Licurgo; o capitão Antônio Coluna, padrinho de armas do primeiro, a quem trata por irmão mais novo; o desertor contrabandista conhecido apenas como Andaluz, e um quarto homem, um tenente misterioso e cruel que por vezes atua como assassino profissional e sobre quem mais não se dirá para proveito da fruição da narrativa.
- São estrangeiros em uma terra sem fronteira e identidade definida, mas não quis fazer um romance regionalista. Ninguém ali é gaúcho, mal podem ser chamados de brasileiros ainda - diz o autor.
A intervalos, entre fins dos anos 1740 e meados dos 1750, todos esses personagens se veem envolvidos em estranhos incidentes em cavernas, túneis subterrâneos, torres sinistras e jornadas sangrentas, mesclando ao espaço geográfico toques de fantasia pulp. O fato de um deles contrabandear livros também é uma desculpa para um diálogo com outras narrativas literárias do passado e do presente - há ecos do Umberto Eco de Baudolino, do Thomas Pynchon de Mason & Dixon e do Erico Verissimo de O Tempo e o Vento. As referências, contudo, não se restringem ao literário e incluem piscadelas pop, com menções anacronicamente disfarçadas a filmes, televisão e até videogames, presentes na estrutura aventuresca com que três das histórias se encerram com combates e perseguições.
- Uma das intenções que eu tinha com relação a esse livro era que todas as referências, embora estivessem lá, não sobressaísem, que fosse também um livro de entretenimento, pois é assim que eu o vejo. Quem lê é para se entreter, não importa o que esteja lendo. Para mim, esse debate entre entretenimento e arte pela arte é enganoso - diz Samir.
QUATRO SOLDADOS
Samir Machado de Machado
Não Editora, 320 páginas, R$ 37,90.
Lançamento quinta, às 19h, na Livraria Cultura do Bourboun Shopping Country (Avenida Túlio de Rose, 80).