Para a vencedora do Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon deste ano, Ana Maria Machado, a láurea recebida por seu romance Infâmia tem sabor de compensação. A narrativa é a mesma que havia sido envolvida em uma polêmica no último Prêmio Jabuti, ao receber uma nota zero de um dos jurados da categoria romance, Rodrigo Gurgel.
Ao falar do caso, ela usou mais de uma vez as palavras "compensação" e "reparação".
- No Jabuti, esse romance foi derrubado por um jurado que resolveu dar zero no último momento para que ele não recebesse o prêmio. Quando recebi este, podia não estar consciente disso na hora, fiquei feliz com o reconhecimento, mas também me bateu depois a ideia de reparação de uma injustiça, uma ideia de que as coisas tendem ao equilíbrio - disse ela, que recebeu R$ 150 mil da premiação.
Ana Maria evitou os comentários mais diretos, reforçando o direito do jurado de dar a nota que bem entender, mas ressaltou que a forma escolhida por Gurgel, que ficou notório como o "jurado C" entre os três da categoria, interferiu diretamente no resultado, dando notas altas apenas para os três livros de autores menos conhecidos e notas baixíssimas para todos os demais - Infâmia recebeu nota zero, e o vencedor foi o romance Nihonjin, de Oscar Nakasato.
- No caso dele, o que se estranhou, pelo que se contou depois, foi que na primeira rodada ele deu nota alta para o meu livro. Na segunda, quando viu que os outros haviam dado 9 ou 10, ele mudou. Ele tinha o direito de fazer isso? Tinha, sempre tem. Mas exerceu um poder em nome de uma coisa direcionada.
Envolvido involuntariamente em um escândalo na premiação mais tradicional do meio literário brasileiro, Infâmia é ele próprio um romance sobre escândalo e nasceu, entre outras inspirações, do episódio do caseiro Francenildo Santos Costa, vítima em 2006 da máquina oficial por testemunhar contra o então ministro da Fazenda do governo Lula, Antonio Palocci. Após dizer que viu Palocci em uma reunião de lobistas, Francenildo teve seu sigilo bancário quebrado ilegalmente. Na história de Ana Maria, um diplomata recebe, certo dia, um envelope contendo segredos comprometedores envolvendo sua filha, assassinada misteriosamente.
- De certo modo, esse livro é para o caseiro Francenildo, sim. Como alguém faz isso com uma pessoa, e a sociedade diz "Ah, é, coitado", e vai em frente e não registra isso com o grau de indignação e solidariedade necessário? Foi uma das coisas que me levaram a escrever.
Ana Maria deve lançar ainda neste ano uma narrativa juvenil com três histórias que se cruzam no século 17. Pensa agora em como retomar o projeto de um romance que chegou a começar, mas que interrompeu depois que um outro livro, com um tema parecido, foi publicado enquanto ela ainda estava escrevendo. Não revela o tema, contudo, porque talvez ainda volte a ele dando nova forma à narrativa.
- Deixei esse tema, mas o tema não me abandonou. Ainda me assombra faz um ano e meio. Talvez agora, com esse prêmio, consiga comprar pra mim um silêncio, um tempo para parar um pouco e refletir sobre o que fazer - disse ela.
Atual presidente da Academia Brasileiras de Letras, a autora é uma convidada veterana da Jornada à qual comparece desde os anos 1980:
- Fora do Eixo, na verdade, é isso aqui. Não tem como ser mais fora do eixo do que isso: você viaja, faz um caminho enorme, chega aqui, encontra essa gente toda e volta maravilhada.
Justiça
"Me bateu depois a ideia de reparação", diz Ana Maria Machado
Vencedora do Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon deste ano teve o mesmo livro envolvido em polêmia no Jabuti
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