Miau Alabarse entrou na minha vida pela porta da frente, sem maiores explicações. Na primeira noite que o vi, imóvel na mureta do portão, me olhou e não se mexeu. Registrei sua presença insólita e, morto de sono, fui direto para a cama. Na manhã seguinte, nenhum sinal dele. Mas me esperou, pela segunda noite consecutiva, na mesma mureta da entrada. Ronronou na minha direção, e lhe sorri antes de entrar. Na terceira noite, como Richard Gere no filme do cachorro, peguei-me pensando se estaria lá me esperando. Estava. Ao me ver, saltou da mureta e, sem entabular a mínima negociação, entrou em minha casa, de onde nunca mais saiu.
Minha mãe sempre teve problemas com gatos, um bicho proibido para toda a família, que aceitou sem discutir a determinação materna. Eu não sabia o que fazer com ele, mas Adriana Calcanhotto, que sabe tudo sobre felinos, veio em meu socorro e me ajudou a decifrar seu comportamento inicialmente enervante, suprindo minha ignorância com muitos conselhos. Mas me recusei a pegá-lo pelo cangote. Expliquei-lhe que isso me seria impossível, e ele aparentemente aceitou meu jeito desajeitado. Às vezes, o chamo de "meu filho" e, quando me dou conta, me sinto meio ridículo. Mas não me sinto nada ridículo em gostar e tratar bem animais domésticos, prática que atualmente merece, para desagrado de muitos, a atenção e o cuidado de algumas prefeituras municipais. Uma vez, na Ipiranga, vi um homem descer de sua carroça e chicotear seu cavalo, que caiu na avenida, exausto. Se outros não tivessem feito, eu mesmo teria voado em cima da fuça daquele senhor. Recebi uma Palmira Gobbi de frente e compreendi, na carne e na alma, que zelar pelos bichos do planeta é uma inescapável tarefa humana.
Cachorros tive muitos e, ainda hoje, tenho o Cacau, um labrador de 13 anos que está firme e serelepe. Meu Édipo canino nem parece o cão que, em uma briga sangrenta, matou o pai disputando a mãe, pois aceita o novo integrante do clã com uma indiferença quase afetuosa. Gatuço, que é como chamo Miau nas intermináveis vezes em que acordo meus vizinhos atrás dele, é um rueiro de carteirinha. Laranja como Garfield (e mais bonito, sem dúvida), tem olhos amarelos e é um dorminhoco assumido que me acorda, invariavelmente, às seis da manhã. Troco e-mails com minha amiga Martha Medeiros sobre nossos gatos. Nero, o gato da Martha, caiu de uma janela do sétimo andar, machucou uma costela, mas saiu andando, num dia em que, segundo ela, perdeu cinco das suas sete vidas. Começando o terceiro ano de nossa surpreendente convivência, zelo com unhas e dentes por todas as vidas a que o meu bichano tem direito.