Algumas palavras vivem em constante ameaça de extinção. Esvaziadas dos gestos que nomeavam, são como fantasmas da língua, descarnadas aparições à espera do degredo no país dos dicionários. Em um tempo em que todos podem tudo, em que a vitória pessoal é sempre autogerada (e exagerada), e em que toda ação caridosa visa o interesse (publicável e capitalizável nas redes sociais), este par de palavras do título acima, inseparável unidade de causa e efeito, míngua e se corrompe, chega mesmo a soar anacrônico.
Foi há pouco mais de 10 anos. André de Godoy (um discípulo do Cláudio Moreno) e eu começávamos a fazer aulas de revisão textual e cultura clássica, incluindo latim, com o polêmico J. H. Dacanal. Era uma ideia de meu pai, que precisava que o ajudássemos em sua editora.
No primeiro dia, assistimos apreensivos àquela figura histriônica nos xingar com todo tipo de insultos, dizendo que éramos a prova do desastre brasileiro. A cada encontro, repetia ser um dinossauro sem futuro em meio a bárbaros sem passado, alimentando o folclore em torno de sua figura, erguido ainda na época de professor da UFRGS. Certa feita, nós o vimos passar rindo sozinho em frente a sala. Pensamos, está louco. A bem da verdade, ele engendrava uma piada que faria conosco logo depois. Ali eu começava a aprender o que é ser um professor: provocar sempre os alunos. Mais do que isso: descobria que muitas vezes a incompreensão é o preço da integridade intelectual. Ademais, a solidão.
É lugar-comum dizer que os alunos seguem seus caminhos, eu sei, mas digo, porque assim sucedeu.
Ao receber, no entanto, esta semana, Para Ler o Ocidente, novo livro de Dacanal, achei que era hora de agradecer. Duplamente. Primeiro, por formalizar a síntese que nos apresentava em aula: o Ocidente está sustentado por três pilares - a ciência grega, o direito romano e a ética hebraico-cristã. Sob esse conceito, a obra percorre, em um didatismo de alto nível, a tradição dos mais importantes textos dessas três culturas, em um robusto volume. Em segundo lugar, por expor em tempos tão sinistros a pura missão de um professor: educar. Contra toda a descrença, contra a ausência de estímulo ao pensamento sério, a generosidade do saber. Para essa generosidade, velho mestre, eis minha tardia prova de gratidão.