Não existe o amor, mas somente as provas de amor. Bernardo Bertolucci mais de uma vez levou os personagens de seus filmes a entoarem esta declaração de princípios. Mostre-me, não me fale sobre. Uma coisa, por favor, não um sentimento. Melhor: um sentimento transformado em coisa, materializado.
Em um de seus mais célebres poemas, Drummond se pergunta: "Quem reconhece o drama, quando se precipita, sem máscara?".
Pode uma sensação, de fato, ser atestada pelas expressões de alguém? Por trás de um rosto impassível, o que vai? Sofrimento? Deleite? Ou talvez a própria indiferença revelada, que não aceitamos diante de nossas expectativas?
Querer o passado como uma coisa, um pedaço de pão, sem tempo de manteiga nos dentes, assim o pedia Álvaro de Campos, em Aniversário, aquela raiva, ao fim dos versos, de não ter trazido as coisas vividas no bolso das calças, roubadas, como algumas notas de dinheiro antigo, uma chave que já nada abre.
Provas de amor. Na vida, tão difícil aventá-las, catalogá-las, garanti-las. Talvez porque saibamos que a mesma matéria que plasma um sentimento, é a mesmíssima matéria que tantas vezes nos desenganou.
Deixemos a vida. Fiquemos com a poesia, vida em miniatura, sumo dos dilemas entre a carne e a alma (combalida palavra). Afinal, transportar a uma imagem um sentimento não seria uma possível definição do poético? Nos grandes poetas se pode sempre encontrar este esforço: a busca pela imagem, pelo elemento concreto, que represente o que vai por dentro. As figuras de linguagem são as tentativas de se chegar a este efeito. O mundo todo é um palco, dizia Shakespeare, sendo mundo e palco coisas unidas por nossa experiência interior, unidas para nos dizer de nossa atuação como personagens, de nosso tempo no mundo (como a duração de uma peça).
Nosso ponto de chegada: um poeta pouco conhecido no Brasil, Yehuda Amichai. Em sua poesia, há a perfeita revelação de uma relação amorosa a partir de dois pares de objetos triviais: pares de sapato. O poema se chama Uma Mulher Precisa. Trata-se de um casal: ela, a ordem; ele, a desordem. Ela, capaz de dispor os móveis, arrumar as gavetas, prever o tempo. E então os sapatos, capazes de revelar seus donos: "sobre o tapete do quarto/ seus sapatos sempre apontam para longe da cama./ (Os meus na direção dela.)".