Dia desses, ou melhor, noite dessas, acordei no meio da madrugada e não consegui mais dormir. Fui, então, espiar a janela para o mundo, que é a tela do computador. Para minha decepção, a internet é que estava dormindo naquele horário silencioso. Não consegui me conectar. É um desespero quando isso acontece. Então, para não perder a viagem, fiz uma coisa que raramente faço: encarei uma partida de xadrez contra a máquina. Claro que joguei no nível mais elementar, mas consegui dar um xeque-mate no reizinho digital e fui dormir feliz. Me senti o próprio Kasparov, vingado do Deep Blue, o computador da IBM que derrotou o grande mestre soviético em 1997 e não lhe deu a desejada revanche.
Computadores capazes de derrotar humanos e avanços tecnológicos desse tipo inspiraram outro russo, o multimilionário Dmitry Itskov, num projeto realmente fantástico, que promete nada menos do que a imortalidade para quem viver mais três décadas. Ele contratou cientistas para trabalhar na chamada Iniciativa 2045, que prevê a produção em massa de avatares, nos quais será possível instalar o conteúdo de um cérebro humano, com todas as suas características de consciência e personalidade. A ideia é colocar a cópia digital da mente de uma pessoa num corpo não biológico, de modo que o humanoide, que pensará como eu ou você, possa viver centenas de anos. Nosso cérebro será simplesmente descarregado na máquina que nos substituirá no mundo, e que precisará apenas de manutenção, pois nem sequer terá necessidade de se alimentar.
Seremos, então, imortais - ainda que tenhamos a aparência de manequins de loja. Serve?
Para Itskov, que já está construindo a própria cabeça robótica, os avatares não só acabarão com a fome no mundo, como também inaugurarão uma era mais pacífica e espiritualizada. Sei que parece uma coisa mirabolante, mas, depois que a ciência médica implantou uma orelha humana no lombo de um rato, já não duvido de mais nada.
A verdade é que estamos conquistando terreno na luta pela imortalidade. Os limites biológicos da vida estenderam-se de cerca de 35 anos na Idade Antiga para mais de 70 atualmente, um avanço considerável em dois milênios. Tudo por conta dos progressos da medicina, do combate à fome e à mortalidade infantil, da descoberta de medicamentos eficientes, dos cuidados sanitários e das conquistas tecnológicas.
- Jogar xadrez desenvolve a inteligência, sim, mas apenas para jogar xadrez! - costumava me dizer um amigo irônico.
Serve também para iludir a insônia, assim como Sísifo, aquele do mito grego, tentou iludir a morte. Ainda bem que meu castigo é leve: empurrar montanha acima essa pedra de letras que, quando rola de volta, transforma-se em crônica.