"Contra tudo o que está por aí."
Esta frase, que circula intensamente nas redes sociais, é a síntese das manifestações de rua que eclodiram no país. A ela pode ser associada outra frase insistentemente postada nos últimos meses: "Não me representa".
O alto preço dos transportes públicos, bem mais do que motivo deflagrador do movimento, forneceu a senha para a explosão das insatisfações latentes. A repressão brutal exercida pela PM de São Paulo forneceu o combustível da revolta. O sentimento de solidariedade cresceu entre os jovens e, em poucos dias, milhares deles e também pessoas de meia-idade e até de "mais idade" saíram às ruas. Indo além da "tarifa zero" e/ou do "passe livre", bandeiras empunhadas pelos iniciadores do movimento, inúmeros motivos foram agregados aos protestos. Cada manifestante ou grupo de manifestantes carrega, hoje, uma reivindicação e expressa sua insatisfação ao mesmo tempo e num mesmo espaço (com)partilhado por todos. Não há uma bandeira única comum e todas as bandeiras estão presentes.
"Contra tudo o que está por aí." Contra os gastos públicos realizados para a Copa, contra o corte de árvores em espaços públicos, contra a corrupção, contra a impunidade, contra a grande imprensa, contra a PEC 37, contra os subsídios para moradia e alimentação dos juízes e promotores e, em Porto Alegre, até contra o limite de som e o regramento de festas na Cidade Baixa. Contra, também, o aumento das passagens do transporte público!
Sobretudo, contra os políticos e as instituições políticas. A vaia à presidenta Dilma, na abertura da Copa das Confederações, foi dirigida "contra tudo o que está por aí". Encarnados na presidenta, estavam e continuam estando todos os políticos brasileiros, mesmo que Dilma detenha, num aparente paradoxo, os mais altos índices de aprovação popular alcançados em pesquisas de opinião por um presidente no país. Na tomada simbólica da laje do Congresso Nacional, em Brasília, na tentativa de invasão dos jardins do Palácio dos Bandeirantes, sede do Governo de São Paulo, e no ataque à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, expressou-se o repúdio às instituições políticas brasileiras.
Foram excluídos, de acordo com informações divulgadas, durante os preparativos das manifestações nas cidades do país onde elas aconteceram até aqui, os representantes de todos e de quaisquer partidos políticos. As entidades estudantis foram igualmente impedidas de participar oficialmente dos atos e banidas de sua organização. As exclusões realizaram-se em nome da "horizontalidade". O movimento e seus participantes reafirmam, assim, o caráter não hierárquico de suas ações. Não há organização e não há líderes. Tal como numa imensa rede social da web, todos são iguais. Não há "superiores" ou "inferiores".
O poder, qualquer que seja ele, é considerado sempre corrupto e sempre corruptor daqueles que dele se aproximam. Todo o mal, acreditam, brota dos políticos e da política. Opinião expressa pelas mídias sociais, incentivada e alimentada pelas mídias tradicionais e potencializada por integrantes de diferentes poderes públicos que se consideram e se portam como se não fossem, eles próprios, partes de um sistema político.
A "crise de representação" que hoje irrompe no Brasil ocorre, de fato, em todo o mundo. As antigas formas de expressão dos anseios políticos tornaram-se ineficientes: não mais os antigos partidos políticos, não mais as antigas formas de organização social, não mais os antigos políticos. "Tudo o que está por aí... Não me representa", nem expressa os novos anseios dos jovens, dos de meia idade e até dos de "mais idade".
Neste momento, as manifestações de rua expressam o mesmo desencanto global, tanto dos prejudicados pela crise provocada pelo colapso do sistema neoliberal, nos EUA e na Europa, quanto dos beneficiados pelo período de prosperidade e inserção social no Brasil e que querem avançar em suas conquista. Nos EUA e na Europa, jovens à frente, milhares tomam as ruas em nome dos "99% excluídos". São os Indignados, da Espanha e de Portugal, entre outros. São os integrantes do Occupy Wall Street, que se disseminaram pelo mundo, a partir de Nova York.
No Brasil, são os "recém incluídos", integrantes das "novas classes médias", que adquiriram seu primeiro carro e/ou sua primeira casa própria, que ingressaram, finalmente, nas universidades públicas ou principalmente naquelas mantidas com as bolsas de custeio do governo federal e que querem conquistar serviços públicos de qualidade. São, também, os integrantes das "classes médias tradicionais" que não viram, nos últimos anos, melhorias significativas nas suas condições de vida. Unem-se todos, lá e cá, na condição de integrantes das legiões de Anonymous, com suas máscaras e seus V, de vingança!
"Contra tudo o que está por aí"! Contra os políticos e as instituições do Estado. Por mais e melhores serviços públicos, por mais e melhor transporte público, por melhor mobilidade urbana, por saúde, por educação. Pelo respeito aos direitos dos cidadãos. Pelo respeito às coisas públicas. Pela República que, mais do que uma forma de governo, é a essência da política democrática.
De modo aparentemente paradoxal, em nome da negação da política, reafirmam a política em seu mais alto nível: a política do respeito aos direitos dos cidadãos e dos bens públicos. Mesmo que a imensa maioria dos manifestantes não chegue a sintetizar nestes termos suas demandas e possa estar sendo utilizada, involuntariamente, por agitadores com posturas fascistas que precisam ser contidos.
Mesmo que as manifestações arrefeçam em pouco tempo, suas consequências ficarão. Elas serão benéficas, se os políticos e todos os que integram as instituições constituídas tiverem a capacidade de moldar, em conjunto com as grandes maiorias, novas e melhores instituições públicas. Caso contrário, suas consequências poderão vir a ser trágicas e, quem sabe, incontroláveis.