O ciclo Fronteiras do Pensamento põe ideias em circulação, e ideias, quando saem mundo afora, sempre encontram outras ideias para debater, para puxar papo e até mesmo para puxar briga. Para além das obras assinadas por cada um dos convidados, há uma infinidade de leituras complementares que podem ser feitas para consolidar ou mesmo relativizar o ponto de vista apresentado por cada um dos palestrantes sobre seu tema de eleição. Abaixo, confira algumas dicas de leituras que podem preparar e afiar o espírito para as palestras deste ano.
Uma História das Emoções, de Stuart Walton
Para o neurocientista António Damásio, é necessário entender as emoções humanas para poder compreender o funcionamento do cérebro. Para ele, as emoções funcionam como etiquetas mnemônicas que, ao associar determinados episódios do passado ao modo como alguém se sentiu naquele momento, servem como uma base para situações similares futuras. Em Uma História das Emoções, Stuart Walton faz um ensaio cultural das emoções ao longo da história humana. Ele parte do ensaio A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, de Charles Darwin,no qual o pai da teoria da evolução tentava encontrar os mecanismos universais pelos quais homens em todas as partes do globo expressavam o elenco básico das emoções. A partir daí, o livro de Walton se divide em ensaios que podem ser lidos independentemente, discutindo o modo como a humanidade lidou, na arte, na filosofia e na política, com emoções básicas como medo, sofrimento, raiva, felicidade (Record, 2007).
Silêncio, Por Favor!, de Ivan Izquierdo
Outro tema que Damásio deve abordar em sua conferência é o modo como o ambiente urbano é cada vez mais agressivo aos sentidos da coletividade de seus moradores. O ruído constante, o barulho e o incessante fluxo de informações digitais, ameaça, segundo ele, interferir, futuramente, na própria arquitetura do cérebro. Uma visão semelhante pode ser encontrada neste breve ensaio de outro reconhecido neurocientista, Ivan Izquierdo. Uma das maiores autoridades em pesquisas sobre a memória, Izquierdo alerta para o efeito imediato da proliferação de ruídos: a confusão provocada pela intoxicação cerebral diante de tantos ruídos. Ele adverte que, mais do que o ruído, o que a humanidade enfrenta atualmente é o ruído permanente, já incorporado ao hábito da veloz sociedade capitalista contemporânea (Editora Unisinos, 2003).
Comer Animais, de Jonathan Safran Foer
A radicalidade da abordagem de Peter Singer sobre a responsabilidade da raça humana para com a vida animal por vezes pode assustar aqueles que recém começaram a pensar sobre o tema. Uma abordagem não menos engajada, mas não tão radical, pode ser encontrada neste ensaio no qual o jovem autor de Extremamente Alto e Incrivelmente Perto questiona os seus próprios motivos para abraçar o modo de vida vegetariano. Usando o pretexto do nascimento próximo de seu filho, Safran Foer se dedica a um misto de ensaio, reportagem e pesquisa a respeito de como funciona a indústria alimentícia nos Estados Unidos, e o nível de crueldade envolvida no processo industrial de garantir carne na mesa da população (Rocco, 2011).
Pós-Modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio, de Fredric Jameson
Uma das questões centrais do marxismo contemporâneo é a crítica ao pós-modernismo. Como o pós-modernismo advoga o fim das grandes utopias, também descarta, por extensão, o comunismo como fim último do processo histórico. Não é à toa que grandes teóricos do marxismo vêm enfrentando a questão de como resgatar a utopia das garras "líquidas" da pós-modernidade, para usar um conceito de Zygmunt Bauman. Fredric Jameson, outro convidado do Fronteiras que esteve em Porto Alegre em 2011, resolve a questão apresentando, neste livro, a pós-modernidade como a "lógica cultural do capitalismo tardio". Perry Anderson, que estará nesta edição, convidado a escrever uma introdução a Pós-Modernismo, de Jameson, terminou por escrever seu próprio livro sobre o assunto. Logo, a leitura de um é plenamente complementar à leitura de outro (Ática, 1999).
Deus: Um Delírio, de Richard Dawkins
Karen Armstrong, a primeira convidada da edição 2013 do Fronteiras do Pensamento,
é uma das principais especialistas internacionais na ideia de Deus partilhada - e por vezes disputada - pelas três grandes religiões monoteístas. Ex-religiosa desgostosa com a estrutura da religião organizada, mas não com a ideia de um ente divino, Armstrong é uma voz que se levanta Em Defesa de Deus, para usar o título de um de seus livros mais recentes. Entre outros motivos pelos quais Armstrong decidiu publicar esse livro, está entrar no debate sobre a existência ou não de Deus sustentado recentemente por grandes intelectuais ateus.Um dos principais livros da nova safra do ateísmo militante é este de Richard Dawkins. Biólogo com uma sólida contribuição para seu campo de conhecimento, Dawkins se vale de seu conceito de "memes" - ideias que se reproduzem e se retransmite - para discutir uma a uma as hipóteses que levam as pessoas a acreditar em um deus superior. E refutar todas, com argumentos que vão rapidamente do técnico ao panfletário e fazem o caminho de volta (Companhia das Letras, 2007).
Deus: Uma Biografia, de Jack Miles
Nesta obra, Miles não discute Deus como uma entidade metafísica existente ou não. Ele leva as ferramentas da teoria literária e da história para dentro dos escritos bíblicos para analisar a evolução, as transformações, as incoerências de Deus como personagem literário, protagonista de um dos livros mais influentes da humanidade, a Bíblia. Miles compara as encarnações de Deus aolongo do Velho Testamento - no qual é uma divindade temperamental e por vezes irascível - com a sua gradual passagem para o "deus de Amor" apresentado por Cristo nos evangelhos (Companhia das Letras, 1997 - edição de bolso em 2009).
Alá e as Crianças-Soldados, de Ahmadou Kourouma
Leymah Gbowee teve papel fundamental em arregimentar mulheres para protestos pacifistas que ajudaram a interromper um brutal período de guerras civis em seu país, a Libéria. Algumas das atrocidades do conflito na Libéria foram recorrentes não apenas no país, mas ao longo de várias nações do continente: milícias violentas que pilham aldeias, estupram as mulheres e raptam crianças para transformá-las em soldados. É também essa a história ficcional deste romance do autor marfinense Ahmadou Kourouma (1927-2003). A história é narrada em primeira pessoa por Birahima, um dos "meninos-soldados" sequestrado no norte da Costa do Marfim e mais tarde combatente em guerras tribais em Serra Leoa e na mesma Libéria de Leymah Gbowee (Estação Liberdade, 2003).
A Matriz Africana no Mundo, de vários autores
A África será também discutida por Kwame AnthonyAppiah, intelectual que oferece uma perspectiva cosmopolita para o continente. Um bom livro para tomar contato com a pluralidade africana (para além do estereótipo de pobreza e guerras tribais pelos quais muitos enxergam o continente inteiro), é esta coletânea de ensaios organizada por Elisa Larkin Nascimento. Um dos destaques da obra é o texto A África na Ordem Mundial, de Michael Hamenoo, ganense, como Appiah. Ele analisa as contradições dos grandes organismos internacionais em exigir das nações africanas póscoloniais padrões econômicos e de desenvolvimento iguais aos do resto do mundo - uma vez que o legado colonial na África é a total ausência de infraestrutura (Summus, 2008).