Para o pessoal da velha-guarda que ainda vai a lojas de discos, passeia pelas prateleiras, compra álbuns e corre para ler o encarte, a experiência de serviços de streaming como o Spotify ou o Rhapsody pode ser frustrante. Procure, por exemplo, o "Off the Wall", do Michael Jackson e tudo o que verá é uma lista de faixas com uma biografia padronizada do Rei do Pop.
Não há qualquer menção a Quincy Jones, que produziu o disco e já recebeu 27 Grammys, nem aos dois estúdios de Los Angeles onde foi gravado. Não há nada que diga ao leitor que foi John Robinson que tocou aquela bateria superfunky, nem que o baixista era Louis Johnson (exceto em "Rock With You", que contou com Bobby Watson). Ninguém faz o favor de dizer que "Girlfriend" foi escrita pelo ex-Beatle Paul McCartney, e que três músicas foram compostas por Rod Temperton, outro músico britânico.
- Essa é a área da internet na qual o consumidor recebe menos informações do que no mundo real - afirmou Daryl P. Friedman, lobista-chefe da Academia Nacional de Ciências e Artes da Gravação (NARAS, sigla em inglês), em Washington.
Desde o ano passado, a NARAS, com sede em Los Angeles, pede com veemência que os serviços de streaming deem os créditos devidos. Além disso, em maio a Rhapsody se tornou a primeira empresa do setor a fornecer informações equivalentes às do encarte para cada uma de suas 17 milhões de músicas: produtores, engenheiros de som, músicos de estúdio, segundas vozes, coros e compositores.
Barbara Dehgan, porta-voz da NARAS afirmou - Esperamos que os outros serviços acompanhem a tendência.
A decisão da Rhapsody foi uma novidade bem vinda para fãs de música que sentem saudades dos encartes de CDs e até mesmo dos vinis pré-históricos, para encontrar informações que pudessem levá-los a outros discos.
Contudo, conseguir todos os créditos, conhecidos no setor como metadados, de milhões de faixas das bases de dados de serviços como Spotify, Rhapsody, Rdio e Slacker não é nada fácil. Alguns dados podem ser encontrados em sites, mas boa parte está em poder das gravadoras.
Jon Maples, vice-presidente de produtos e estratégia de conteúdo da Rhapsody, afirmou que esperava fornecer uma lista simples de créditos para cada música da coleção do serviço nos próximos três meses pois, segundo ele, esse é o "produto viável mais simples". O plano, então é ir além e transformar cada nome na lista - cada percussionista, trompetista ou coprodutor - em um botão que exibisse todas as faixas nas quais essa pessoa trabalhou. Essa iniciativa pode levar um ano.
- Não estou recriando o encarte - afirmou Maples - Precisamos pensar nas possibilidades para esse tipo de informação.
Maples sugeriu um exemplo - Você clica em um botão e recebe 35 faixas em seu telefone com base no fato de ter gostado de uma produção da Odd Future - referindo-se ao coletivo hip-hop de Los Angeles.
A NARAS, grupo sem fins lucrativos e muito influente, composto por produtores, engenheiros e músicos e que realiza os Grammy Awards, começou a fazer uma campanha junto aos serviços de streaming no ano passado, chamada "Dê crédito aos fãs".
Representantes da NARAS realizaram reuniões com executivos desses sites, tentando convencê-los da ideia de que fornecer metadados poderia ajudar os clientes a conhecerem novas músicas. Um conjunto de dados completo para cada faixa seria ainda melhor do que no passado, segundo audiófilos. Mesmo no auge do vinil, não havia uma regra geral sobre o que incluir nos créditos: nem todas as gravadoras incluíam produtores e músicos de estúdio, forçando os amantes da música a garimparem essas informações.
Em princípio, a maior parte dos serviços é favorável à proposta da academia, apesar de reclamar dos custos, segundo representantes da NARAS. A decisão da Rhapsody de investir tempo e dinheiro para fornecer os créditos foi vista como um "quebra gelo" que dará uma vantagem competitiva à empresa e forçará as outras a fazerem o mesmo.
Henrik Landgren, vice-presidente de análise de dados do Spotify, afirmou que a empresa trabalhou em projetos similares por três anos e esperava fazer o mesmo em algum momento, embora não tenha feito o mesmo compromisso público que a Rhapsody. O Spotify possui uma base de dados com 20 milhões de músicas, e há dificuldades técnicas para acrescentar os créditos em cada uma delas. Os dados precisam ser importados de empresas como a Rovi Corp., dona da Allmusic, ou adquiridos de uma multidão de gravadoras. Determinar quais créditos estão de acordo com cada versão da mesma música já é uma dor de cabeça e é preciso eliminar informações duplicadas.
Os apaixonados por música obviamente apoiam a ideia de disponibilizar os créditos. Brian Turner, diretor musical da estação de radio independente WFMU, de Jersey City, Nova Jersey, que é colecionador de discos e DJ, afirmou que os fãs de música que se importam com os heróis esquecidos envolvidos na criação de um bom discos estão se tornando menos comuns em uma era na qual os jovens cada vez mais descobrem as músicas no YouTube ou em serviços de streaming.
Essas informações podem ser escavadas, afirmou Turner, na Wikipédia, Allmusic e outros sites como o AlbumLinerNotes, mas isso não se compara a colocá-las lado a lado com as músicas, aproximando-se do que os discos fornecem aos fãs de música dos velhos tempos.
Para ele, não há nada que substitua um bom vinil com todas as informações da gravação na qualidade de artefato que documenta a produção musical de um artista. Por essa razão, a WFMU ainda possui um acervo de discos de vinil enorme, muitas vezes com informações escritas na capa pelos DJs. Até mesmo a capa é importante, afirmou Turner.
- Para mim, quando olho para um disco de folk da Elektra dos anos 1970, por exemplo, tenho uma ideia do que o artista estava pensando só de segurar o disco nas mãos - afirmou.
Os créditos também são importantes para os artistas, afirmou Jim Anderson, produtor e engenheiro de som que venceu nove Grammys e dá aulas na Universidade de Nova York.
- Teve gente que trabalhou duro para criar isso, tanto do ponto de vista técnico, quanto do musical - afirmou - Os créditos são a única forma de dar crédito ao trabalho dessas pessoas.