Francamente inspirado na Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana, o ciclo dos festivais de música nativista já ultrapassa 40 anos de história. Desde aquele alvorecer tímido em 1971, em que tudo se configurava como veredas de descobrimento, picadas a serem abertas, páginas brancas à espera de tinta musical e poética, muita água rolou: mansa, feroz e continuamente.
Os primeiros anos, do ponto de vista estético, foram absolutamente marcantes. E revelaram nomes e canções que hoje estão definitivamente marcadas no pulso da cultura popular. Provavelmente, os pioneiros sequer suspeitavam que aquelas noites primeiras no palco do cine Pampa haveriam de atravessar o tempo e, num circuito itinerante crescente, conquistar algumas das mais importantes cidades do Estado e algumas da região sul do Brasil.
A segunda década marca essa expansão territorial e a consolidação do modelo proposto pela Califórnia. E o nativismo transforma-se num fenômeno popular, lotando ginásios, teatros e bares; fazendo surgir intérpretes e músicos admirados e aplaudidos. A capital reconhece e acolhe a nova onda (tradição?): o chimarrão, a bombacha e as canções invadem as ruas e as praças. Entre o final dos anos 1980 e meados dos 90, acirram-se dicotomias entre inovações e conservadorismos e o ciclo atinge seu auge. Na segunda metade da década de 1990, já com um mercado profissional em franca consolidação, o ciclo dos festivais começa a sinalizar fadiga e sua curva ascensional inverte o sentido. Hoje, quando rompemos os 10 primeiros anos dos 2000, os festivais continuam, mas já não repercutem com o mesmo vigor.
Depois dessa rapidíssima linha cronológica, indagações: por que o movimento recrudesceu? Os festivais perderam a capacidade de envolvimento popular, restando circunscritos a ambientes paroquiais? Então, se esta análise trilha estrada coerente, qual foi o momento, o toque, o gesto que indicou o caminho que nos fez desembocar nesse cenário tão radicalmente díspar daquele eufórico momento? Arrisco: o fazer artístico ficou menos importante do que a bandeira empunhada; a maioria dos criadores importam-se menos com a criação do que com o abastecimento do mercado; a música regional sulina, que era uma busca, foi tornada artigo descartável... Na disputa de outrora entre inovadores e conservadores, independentemente de quem haja vencido, creio que perderam todos. E cristal quebrado não se remenda. Talvez seja necessário que lapidemos nova pedra.
*Compositor e mestre em literatura