Depois de falar dos crimes praticados por mercenários a soldo das multinacionais que lucram com a reconstrução do Iraque, em Rota Irlandesa, exibido recentemente na Capital, Ken Loach alivia o tom na comédia A Parte dos Anjos, em cartaz no circuito.
Embora em outro registro, as marcas autorais do cineasta britânico, conhecido por seu engajamento político e social, são bastante visíveis em A Parte do Anjos, filme que concorreu à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2012 - Loach ganhou o Grande Prêmio do Júri.
O cenário do diretor agora é Glasgow, na Escócia, e seus personagens são aqueles por quem ele tem especial apreço: tipos desajustados que andam à margem da sociedade e deparam com a oportunidade de uma redentora volta por cima. São jovens que se parecem um pouco com aqueles vistos no cult Trainspotting (1996), também ambientado na Escócia (em Edimburgo).
O protagonista de A Parte dos Anjos é Robbie (Paul Brannigan, ator estreante, como quase todos seus parceiros de elenco). Pavio curto e bom de copo e de briga, o rapaz foi condenado a prestar serviços comunitários após espancar um sujeito, dando continuidade ao círculo de violência que lhe é rotineiro - costuma levar tundas dos irmãos da namorada que engravidou.
Junto a outros três jovens, Robbie ganha como tutor na prestação desses serviços o paternal Harry (John Henshaw), um apaixonado por uísque que percebe no jovem a habilidade extremamente aguçada para identificar sabores e procedências dos mais variados tipos do puro malte escocês.
No caminho do grupo de reabilitação, porém, surge uma tentação. Em um castelo encravado nas Highlands será realizado em alguns dias o leilão do mais valioso barril de uísque existente, evento que atrai colecionadores endinheirados de todo o mundo. Robbie e os amigos enxergam ali a oportunidade de faturar uma grana.
O vigor e a graça que Loach imprime em A Parte do Anjos (o título faz referência à porção que se evapora no processo de armazenamento do uísque) vem tanto do ritmo de aventura em torno do planejamento e execução do arriscado golpe quanto do carinho que dedica a seus carismáticos personagens. O trabalho com os atores novatos foi pautado pela improvisação e explora propositalmente estereótipos que representam os escoceses como brigões, beberrões e afetuosos, além de usarem saias.
Ao seu modo, o Loach de A Parte do Anjos é o cineasta político de sempre, mas enfatizando que a resistência não pode prescindir da ternura.
A Parte dos Anjos (Angels Share)
De Ken Loach. Com Paul Brannigan, Gary Maitland e John Henshaw.
Comédia dramática, Grã-Bretanha. Duração: 101 minutos. Classificação: 14 anos.
Cotação: 4 de 5