Em parceria com a diretora Patrícia Fagundes, Zé Adão Barbosa celebra 33 anos de palco mergulhando em sua mitologia pessoal na peça Coração Randevu, que estreou na última sexta-feira (9/11) e fica em cartaz até 9 de dezembro na Casa de Teatro de Porto Alegre. É um espetáculo sobre a arte da memória, e não apenas do ator. Barbosa conta episódios comoventes e, ao mesmo tempo, divertidos da vida de artistas como Billie Holiday e Vivien Leigh e recita trechos de Fernando Pessoa, seu poeta preferido.
Acima de tudo, Coração Randevu está na categoria dos espetáculos cujo tema é difícil de ser definido - talvez isso não seja sequer desejável. Trata, enfim, da vida e da arte, de como nos relacionamos com o passado e com o presente. Lírico e tocante, tem a marca de Barbosa e também de Patrícia, que havia realizado trabalho semelhante, em 2011, com Heinz Limaverde. Baseado na trajetória do ator, O Fantástico Circo-Teatro de Um Homem Só ganhou os prêmios Açorianos de direção e figurino (Daniel Lion). Coração Randevu não tem a unidade dramática da produção anterior da diretora, mas é igualmente sincero ao mostrar um Zé Adão Barbosa de peito aberto, sozinho no pelotão de frente e na mira de 40 espectadores por sessão.
A plateia intimista se torna aliada do ator imediatamente, e talvez não tenha a ver apenas com o efeito da amostra de cachacinha distribuída no início no espetáculo. Barbosa entra em cena com a sem-cerimônia de quem recebe convidados em sua residência. (De certa forma o é: a Casa de Teatro é um espaço voltado para a formação de profissionais da cena fundado por ele e pelo ator Jeffie Lopes.) Vestido com um figurino quase neutro (uma camisa branca e uma calça preta), mantém do início ao fim a tensão entre vida e ficção. Será que suas memórias são realmente suas? A resposta é que não importa, e aí está a graça. Em cena, tudo é representação, e talvez fora dela também. Não estamos todos interpretando, de certa forma?
Então, o ator abre malas de viagem e pinça objetos pessoais: fotos de família, ampliadas em uma projeção em vídeo; uma fantasia de palhaço que usou como criança, o primeiro figurino; e uma vitrola que parece não ser utilizada há décadas. Saca um LP - alguém ainda se lembrava disso? - e coloca para funcionar. O movimento hesitante mas constante do prato do corajoso toca-discos faz as memórias adormecidas reviverem, mesmo que seja apenas até o final do espetáculo.
Na estreia, o clima era tão amistoso que Barbosa pediu licença para fazer uma cena que tinha pulado. É o momento em que ele interpreta a si mesmo quando criança, transformando um pedaço de tecido em uma capa da realeza. A vida, segundo Coração Randevu, não é cheia de som e fúria, significando nada. É repleta de música e delicadeza. E, de repente, tudo é silêncio novamente.
CORAÇÃO RANDEVU
> De sextas a domingos, às 21h. Até 9 de dezembro.
> Casa de Teatro de Porto Alegre (Rua Garibaldi, 853), fone (51) 3029-9292.
> Ingressos a R$ 30 (50% de desconto para estudantes, idosos e integrantes da classe artística). Antecipados à venda no local, de segundas a sextas, das 9h30min às 20h30min.
Opinião
Lírico e tocante, 'Coração Randevu' reverencia a arte da memória
Espetáculo solo de Zé Adão Barbosa está em cartaz na Casa de Teatro de Porto Alegre
Fábio Prikladnicki
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project
- Mais sobre: