Chavagnac, França - No outono de 1988, uma fazendeira e cozinheira autodidata local chamada Danièle Delpeuch foi abordada por uma série de misteriosos funcionários do governo com uma proposta incomum: ela poderia se mudar imediatamente para Paris e se tornar a "chef pessoal" do Presidente François Mitterrand?
Ela lhes disse que suas ovelhas estavam prestes a dar à luz. A resposta de um dos funcionários foi rápida: "Madame, esta não é uma posição que possa ser recusada".
Em seu primeiro mandato de sete anos, Mitterrand foi servido por uma equipe composta somente de homens, todos treinados na alta gastronomia. Depois de sua reeleição, ele queria comida simples do campo para suas refeições privadas.
- Quero uma mulher do campo na minha cozinha! - disse a seus assistentes.
Foi assim que Delpeuch abandonou seus animais e sua horta na região do Périgord para uma aventura de dois anos preparando as cordiais refeições burguesas do presidente numa pequena cozinha nos labirintos do Palácio do Eliseu. Ela vivia num pequeno apartamento, num complexo de prédios do governo que também abrigava a amante de Mitterrand, Anne Pingeot, e sua filha com ele, Mazarine.
- Se você me fizer a comida da minha avó, fico satisfeito! - disse ele a Delpeuch em seu primeiro encontro, que durou cinquenta minutos.
- Essa tarefa é difícil, senhor presidente - respondeu ela. - Ninguém consegue ganhar de uma avó. Mas vou tentar.
Agora, a história da chef e do presidente foi celebrada em versão ficcionalizada num filme, "Les Saveurs du Palais" (que quer dizer tanto "Os sabores do palácio" quanto "Os sabores do palato"), dirigido por Christian Vincent e lançado em setembro. A Weinstein Company comprou os direitos autorais do filme, que nos Estados Unidos se chamará "Haute Cuisine".
Delpeuch, hoje com setenta anos, está viajando pela Europa, falando tanto do filme quanto de sua culinária. Ela publicou por conta própria uma nova edição de suas memórias de 1997, "Carnets de Cuisine du Périgord à L'Elysée" ("Cadernos de cozinha do Périgord ao Eliseu") - incluindo as receitas - e está negociando com editoras francesas uma outra edição, com novo prefácio.
- As pessoas não sabiam quem era a verdadeira cozinheira, e agora elas sabem - disse Delpeuch numa entrevista em sua cozinha, enquanto preparava um almoço de foie gras com figos e uvas assados, e uma galinha numa caçarola (com os pés e tudo) com batatas, cenouras e recheio de sangue e ovos.
- O filme está abrindo portas para mim. Claro que alguns momentos foram inventados. Às vezes, as lendas são mais bonitas que a realidade.
Na vida real, Delpeuch não era uma mulher simples do campo na época em que foi retirada de sua fazenda e enviada a Paris.
Nascida em Paris de uma família de trabalhadores, ela se mudou aos doze anos com sua mãe para a fazenda de sua avó, dotada de uma sede de setecentos anos feita em pedra, depois da morte de seu pai.
Ela já era mãe de quatro crianças aos vinte e cinco anos de idade, quando fez campanha, nos anos 1970, para ressuscitar a moribunda indústria do foie gras, fazendo renome como "rainha do foie gras".
Em 1974, ela começou a realizar finais de semana do foie gras na fazenda, atraindo gastrônomos e turistas americanos para comer e se hospedar ali. Ela vendia seu foie gras a chefs franceses famosos, como Joël Robuchon.
Alguns anos mais tarde, ela fundou a primeira escola de culinária da região, transformou parte de sua casa num pequeno restaurante que usava produtos locais, ensinou culinária nos Estados Unidos, ficou amiga de Julia Child e viveu algum tempo em Paris. Todos os invernos (e ainda hoje), seus hectares de carvalhos forneciam uma rica colheita de trufas.
Em 1980, a indústria agrícola francesa a condecorou como Chevalier du Mérite Agricole, sua honraria máxima, raramente concedida a mulheres.
Assim, quando o ministro da cultura Jack Lang recebeu a ordem de encontrar uma chef para Mitterrand, foi Robuchon que lhe indicou Delpeuch. Na época ela estava divorciada, e seu filho mais novo tinha vinte anos de idade. Ninguém poderia impedi-la.
O filme captura o conflito entre "Hortense Laborie", nome de Delpeuch no filme, uma cozinheira talentosa mas teimosa, determinada a impor sua culinária autêntica à mesa do presidente, e um exército de burocratas e de chefs igualmente determinados a seguir as rígidas normas do palácio.
Catherine Frot, que faz o papel de Hortense, tem de suportar os insultos do chef principal do Eliseu e sua equipe masculina.
- É a última vez que como com esses machistas - diz a seu assistente, um jovem chef, quando os chefs oficiais fazem graça com ela em seu primeiro - e único - almoço juntos.
Eles a apelidam de Condessa du Barry - nome da amante preferida do rei Luís XV - e Mamie Nova - nome de uma marca de laticínios que tem uma vovó como logotipo.
As refeições preparadas por ela são a comida amigável do campo francês. Sua primeira refeição para o presidente foram cogumelos cèpe com ovos, seguidos de repolho recheado com salmão na brasa e cubos de bacon, e um "Saint-Honoré", um rico confeito de pão de ló, açúcar caramelizado e chantilly.
Convencida de que sua única missão é servir o presidente, ela se torna uma verdadeira Joana D'Arc da cozinha. Quando nutricionistas são contratados pelo médico do presidente para impor uma dieta sem gorduras nem molhos, ela se recusa. Quando um contador do Eliseu lhe dá um sermão por evitar o fornecedor oficial de alimentos e gastar muito para comprar dos seus próprios, ela lhe diz que só deve usar os ingredientes mais frescos.
A certo momento do filme, ela critica a massa de mil-folhas da cozinha principal por "não ter autor", não ter identidade.
- Me disseram que eu deveria ser simpática com o senhor Normand - lembra Delpeuch, referindo-se a Joël Normand, chefe da cozinha do Eliseu, que havia trabalhado com todos os presidentes desde Charles de Gaulle. - Mas simpatia tem limite.
Normand aparentemente sentiu a mesma coisa. Em suas memórias publicadas em 2000, "La Vème Republique aux Fourneaux" ("A Quinta República nos fogões"), ele confessou sua infelicidade nos anos Mitterrand. O presidente tinha uma cozinheira pessoal; ele se sentiu ignorado. "François Mitterrand nunca fez o menor elogio a seus cozinheiros", escreveu. "Mas ele sempre reclamava."
No filme, o presidente, interpretado por Jean d'Ormesson, de 87 anos, autor de mais de três dezenas de livros e membro da Academia Francesa, é retratado como um amante da comida preparada sem frescura. Este é o primeiro papel de d'Ormesson num filme, mas gabou-se de ter comido com Mitterrand vinte e seis vezes. (Foi também o último visitante recebido pelo Presidente no dia em que este deixou o Eliseu.)
Em sua última cena juntos no filme, o presidente visita Hortense em sua cozinha uma noite. Ela lhe serve uma grande fatia de pão torrado com manteiga e coberto de grossas fatias de trufa negra que haviam chegado aquela manhã do Périgord, acompanhado por uma taça de Château Rayas de 1969.
- Pessoalmente, é a adversidade que me mantém de pé - diz ele a ela.
(Na vida real, Mitterrand soube ao fim de 1981 ter câncer de próstata, mas ele manteve a sua doença em segredo do público durante seus quatorze anos de governo, que terminaram em 1995. Ele morreu no ano seguinte).
No fim do mandato, a combinação entre a vontade forte de Delpeuch e os conflitos no Eliseu tornaram o arranjo com duas cozinhas inadministrável.
Um tornozelo quebrado acelerou sua saída. "Meu pedido para sair foi aceito sem demora, sem comentários e sem consideração pelo meu estado vulnerável", escreveu em suas memórias.
Bernard Vaussion, atual chefe de cozinha do Eliseu, que era então assistente, explicou assim a coabitação na cozinha do Eliseu: - Claro que éramos machistas naquela época. A mulher cozinhava em casa, para a família. Os homens é que eram os artistas da cozinha. Mas ela poderia ter tido uma atitude um pouco diferente conosco. Ela tinha em mente que havia sido indicada pelo presidente, e pensava que ninguém mais importava.
Delpeuch voltou à fazenda, viajou. Então, em 2000, sem meios para se sustentar, ela respondeu a um anúncio para um trabalho muito bem pago como cozinheira na Antártida. Passou quatorze meses cozinhando para sessenta pessoas alocadas numa estação de pesquisas científicas francesas no Sul. As entregas de comida eram feitas a cada quatro meses.
Hoje, muito do que Delpeuch servia durante a era Mitterrand passa dos limites do Eliseu. Uma sobremesa de Saint-Honoré recheado de creme e um prato de repolho seriam considerados muito pesados, e lagostas e trufas, excessivamente elitistas.
Mas algumas coisas não mudaram. Embora dúzias de estagiárias mulheres tenham passado pela cozinha do Eliseu nos últimos anos, todos os chefs permanentes ainda são homens.
The New York Times
Batalhas culinárias de cozinheira francesa vão às telas
História de Danièle Delpeuch, que virou "chef pessoal" de um presidente, é celebrada por filme
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