Cambridge, Massachussetts, Estados Unidos - Jim Lahey, fundador da padaria Sullivan Street Bakery em Nova York, queria descobrir quais organismos habitavam seu fermento e produziam seu inebriante aroma sulfúrico.
Enquanto isso, na cozinha experimental dos restaurantes Momofuku, no East Village, David Chang e Dan Felder estavam fermentando filés de porco, missôs de pistache e molhos de peixe, e tentando entender quais micróbios faziam o processo funcionar. E, em São Francisco, Harold McGee, autor do livro de ciência na cozinha Comida & Cozinha, começou a se perguntar que espécies de bactérias faziam sua cultura de iogurte já longeva tão resistente. Todos eles procuraram a mesma especialista: Rachel Dutton, uma efervescente e jovem microbiologista de Harvard que, quase por acidente, se tornou a fonte à qual vão os chefes e artesãos da comida norte-americanos que querem desvendar os mistérios dos micro-organismos.
Num momento em que os cozinheiros cada vez mais se aprofundam na ciência da comida, não faltam recursos, incluindo uma futura sequência do livro Modernist Cuisine (de Maxime Bilet, em português, A Cozinha Modernista) para cozinheiros domésticos; a Science of Good Cooking (A Ciência da Boa Cozinha), da Cook's Illustrated, e uma série permanente de aulas na Universidade de Harvard e na Universidade da Califórnia em Los Angeles. Mas alguns chefs querem ir ainda mais fundo.
- Eu me consideraria um gastrônomo celular, não molecular -, diz Lahey. - Estou sempre pensando em termos de micróbios e populações de micróbios.
Para aqueles que conseguiram chegar a ela, Dutton é um achado: uma cientista que consegue explicar conceitos difíceis em termos leigos, oferece sua expertise de graça, e compartilha seu fascínio com a boa comida.
- De fato, não há mais ninguém fazendo o que ela faz -, diz McGee, que escreve para a seção de culinária do New York Times. - Os microbiologistas acadêmicos ainda não se interessaram pela fermentação em pequena escala, se concentrando mais na segurança alimentar que na qualidade do alimento. De fato, hoje só existe ela.
Dentro do impressionante Edifício de Ciências Noroeste de Harvard, Dutton e dois pesquisadores de pós-doutorado, Benjamin Wolfe e Julie Button, têm cultivado amostras de queijos para exame científico. Num amplo laboratório cheio de béqueres e centrífugas, os três trabalham isolando bactérias e fungos de crostas de queijo, armazenando-os em placas de Petri numa geladeira adaptada que eles chamam de "caverna".
Dutton, de 32 anos, não começou nem como fabricante de queijos, nem como turófila (amante de queijos). Seu primeiro amor é a ciência.
Depois de terminar seu doutorado sobre tuberculose e E. coli, ela começou a procurar uma cobaia para estudar o microcosmo. Ela precisava de uma aldeia de micróbios que pudesse ajudar os cientistas a entender como populações mais complexas se comunicavam e construíam sociedades microscópicas das quais os próprios macróbios são dependentes. (Afinal, os micróbios residem em nossas casas, no solo, e até nos nossos intestinos, onde eles são nove vezes mais numerosos que as nossas próprias células, e são muitas vezes essenciais à saúde).
Seu organismo modelo tinha de ser complexo, mas não tanto que não pudesse ser replicado em laboratório. Foi quando Dutton passou pela seção sobre queijos no livro Comida & Cozinha e disse a si mesma: "É essa a comunidade que estou procurando".
Em 2010, ela deu início a um ambicioso projeto de cinco anos para sequenciar, analisar e mapear o DNA de organismos encontrados em 160 crostas de queijo diferentes de todo o mundo. Vistos sob um microscópio eletrônico de varredura, essas aldeias de micróbios podem parecer muito simples ou extremamente diversificadas - tão diferentes entre si quanto a ecologia do gramado bem cortado do Lincoln Center, em comparação com os do parque High Line, antes que suas ervas abundantes sejam tosadas.
Conforme começou a se espalhar a notícia sobre o trabalho, primeiramente entre microbiologistas, e depois entre fabricantes de queijo, a caixa de entrada de Dutton se encheu de pedidos de não cientistas, incluindo chefs, padeiros, e até um fabricante de picles de Berkeley, na Califórnia. Começaram a aparecer pacotes em seu escritório, contendo amostras de comida para que ela analisasse.
As atividades dessas comunidades de micróbios conferem sabores e aromas peculiares às comidas fermentadas, e parecem variar de região a região.
- Você pode imaginar que certos micróbios são encontrados em certos lugares -, explica Dutton. - Isso é interessante para a fabricação de queijo, mas também é interessante para a microbiologia e a manipulação de ecossistemas microbióticos.
Os chefs também suspeitam que, potencializando as ações desses nativos invisíveis, podem criar um sabor local original: um "terroir microbiótico". Chang disse esperar encontrar sabores únicos do East Village que poderiam dar todo um novo sentido à expressão "cultivado localmente".
- Como podemos fazer Nova York ter sabor de Nova York? -, pergunta ele. - O que faz o terroir são os micróbios. É, literalmente, o que está no ar.
Ainda assim, a mesma comida, feita em lugares diferentes do mundo, pode acabar com uma população similar de micróbios. Foi o que descobriu Dutton quando sequenciou o fermento de Lahey, que começou com farinha, água, e uma cultura que ele encontrou numa folha de repolho na Toscana em 1992. (Ele disse ter feito essa escolha porque achou que as folhas pareciam as cascas de uvas para vinho, que ele vinha colhendo havia semanas).
Como em 90 por cento do fermento do mundo, descobriu Dutton, a cultura continha uma só espécie de bactéria: lactobacillus sanfranciscensis. Agora, diz Lahey, "tenho um nome para a comunidade de micróbios que fazem minha isca de fermento. Isso é bom".
Ele também aprendeu que todas as culturas de fermento têm de se comportar de maneira semelhante, o que explica por que a antiga receita de pão permaneceu tão consistente e replicável. Se os padeiros vêm fazendo fermentos com sucesso há milênios sem esse conhecimento técnico, Lahey diz que novas análises científicas podem em breve anunciar uma "era de ouro da fermentação".
Por enquanto, diz Dutton, seu trabalho com chefs pode ser um gasto de tempo, especialmente sabendo que ela está sobrecarregada pelo queijo, mas as interações geraram nela uma curiosidade nova, assim como nos chefs. Um de seus colegas fez uma comparação não científica entre seu próprio fermento e a amostra de Lahey. Dutton também conseguiu fazer um teste de sabor do missô do Momofuku no laboratório dos restaurantes. (Afinal, comer não é permitido nas bancadas do imaculado laboratório de Harvard).
- Não tinha ideia de quão delicioso era o fungo koji fresco, quando você fermenta o arroz com Aspergillus -, diz ela. - É a diferença entre o gosto normal de arroz puro e essa comida incrível, doce, quase uma sobremesa. Não dá para sentir esse sabor em lugar nenhum, a não ser que você mesmo o prepare.
Quanto ao iogurte de McGee, a amostra revelou uma comunidade muito estável, embora não tão surpreendente, de lactobacilos e estreptococos. Ainda assim, a colaboração poderá tornar o quitute ainda mais longevo. Ele já foi compartilhado no laboratório; como diz Dutton, "estamos todos fazendo o iogurte do Harold".