Há muito que Porto Alegre não se deliciava com tal exuberância operística. Desfile iniciado em junho com Così Fan Tutte (Mozart), produção da Orquestra de Câmara Theatro São Pedro. Seguiram-se: Dido and Aeneas (Purcell), pelo Instituto de Artes da UFRGS, Il Campanello (Donizetti), pela Orquestra Unisinos Anchieta, La Bohème (Puccini), em grande encenação do Instituto de Cultura Musical da PUCRS. Assim chegamos em outubro com Cavalleria Rusticana (Mascagni), pela Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) no Theatro São Pedro.
Ópera dos libretistas Giovanni Targioni-Tozzetti e Guido Menasci com música de Pietro Mascagni, Cavalleria Rusticana estreou em Roma, em maio de 1890. O que raríssimas pessoas sabem é que, em abril de 1892 (apenas um ano e 11 meses depois), já era encenada neste mesmo Theatro São Pedro, pela Companhia Lírica Italiana Poltronieri e Bernardi (descoberta que fiz e publiquei anos atrás). O porto-alegrense acolheu-a calorosamente, tanto que nos anos seguintes foi reencenada por outras companhias. Nosso compositor Murillo Furtado (1873 - 1958) - primo de Araújo Viana (1871 -1916) - compôs a ópera Sandro (1902), sobre libreto de Arturo Evangelisti, uma continuação de Cavalleria Rusticana. Tal a paixão por ela.
A produção a que assistimos agora insere-se entre os melhores espetáculos da Ospa dos últimos tempos. Tiago Flores, maestro e diretor artístico, dentro do binômio limitações-possibilidades, conseguiu arregimentar elenco de cantores nacionais caracterizado pelo padrão de qualidade e homogeneidade.
Cláudia Riccitelli (soprano), além da voz especial, foi muito expressiva; encarnou Santuzza. Richard Bauer (tenor), pelo registro e timbre deduzidos desta Cavalleria, creio que poderá nos brindar até com Otello, de Verdi. Sebastião Teixeira (barítono), integrante da inesquecível Companhia Brasileira de Ópera, lembrou-me do saudoso Fernando Teixeira, pela expressão e tessitura vocal. Luciane Bottona, das melhores mezzos brasileiras, nasceu aqui em Porto Alegre, orgulho nosso. Rose Carvalho (mezzo-soprano) e Elisa Lopes (soprano) cativaram como Lolas na interpretação e beleza.
A orquestra cantou a ópera. O maestro Enrique Ricci, que estabeleceu ligação com o Gran Teatre del Liceu de Barcelona e já é conhecido nosso, foi poeta na regência. Ele e a orquestra afinaram-se de tal modo que trechos como a Abertura e o Intermezzo até merecem gravação à parte. Bravos para o coro. Nem é mais surpresa. Ensaiado por Herr Manfredo Schmiedt!
Realmente, estou desconfiado de Porto Alegre. Com essa luminosa explosão lírica dos últimos cinco meses...
* Filósofo, historiador e pesquisador da história da música erudita no Rio Grande do Sul
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