Pontos de milhagem vencendo. Três diárias gratuitas, em hotel a escolher, por fidelidade a rede hoteleira internacional. Optou-se pela Venezuela, para ver como andavam as coisas por lá, no segundo mandato chavista bolivariano.
Na mala para o Natal em Caracas, bonito vestido azul. A ceia sempre é momento especial. A mala com o vestido azul viaja. Chega dia 23 de dezembro. Cuidadosamente ele é pendurado no armário do hotel. Véspera de Natal. A manhã e a tarde passam em busca inútil de câmbio ou saque de dinheiro. Nada funciona. No bolso, apenas 80 bolívares. Na época, em 2009, o equivalente a 80 reais. E a ceia? O presente das diárias não inclui alimentação.
Viro e reviro elaborado livreto do hotel. Estampa ceias em seus restaurantes. A mais simples, 450 bolívares; a especial, 680. Por pessoa. Mais taxas. Bebida à parte. Quem sabe o serviço regular de quarto ofereça algo? Pego o cardápio. Mero sanduíche clube, cen-to-e-dez bolívares. Assalto. Do apartamento vê-se um shopping. Quiçá, ali, conseguir-se-á câmbio a valor realista?
Ao entardecer, o primeiro passeio desde a chegada. Desilusão. Centro comercial quase vazio. Música natalina insistindo em tocar. Na saída, uma padaria. Oferece, em cartaz, prato natalino. 60 bolívares. Entreolhamo-nos. Os olhos dizem "sim". Eis a ceia.
Numa quentinha de plástico são dispostas fatias de pernil meio secas, raspadas do osso; uma arepa, espécie de pamonha recheada de carne; salada de frango. Para coroar, pão de presunto, quitute típico, gostoso, que não pode faltar no Natal venezuelano. O último prato da padaria, para uma pessoa, é a salvação para dois esfomeados de bolsos vazios. Os anjos os protegeram.
Vinte e uma horas. Fogos colorindo encostas de montes. Som de violinos e saxofone emanando dos restaurantes. Na beira da piscina desfilam longos e ternos. No apartamento 926 a mesa é posta frente à janela. Sem toalha, velas, pratos, taças ou talheres refinados. Apenas garfo e faquinha de escoteiro, que a experiência em viagens inclui sempre na bagagem.
No centro, temperada com afeto e com sabor de cumplicidade, união e companheirismo em momentos difíceis, uma quentinha. Diante de tudo, um vestido azul. Um vestido azul e uma quentinha. Brindando o mais precioso do Natal: o amor...
P.S.: Depois de um 25 de dezembro presos no hotel, até sem internet, a liberdade: Isla Margarita. "Outro" país: câmbio adequado, sem sustos, sem fome.
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