O lado afável de Ernest Hemingway, tão distante de sua imagem de "machão", é visto em uma dúzia de cartas inéditas que integram a coleção de documentos do autor na biblioteca presidencial John F. Kennedy.
Em uma das cartas divulgadas nesta quarta-feira, escrita para o seu amigo Gianfranco Ivancich em Cuba, em fevereiro de 1953, Hemingway falou sobre ter de sacrificar seu gato Tio Willie depois que ele foi atropelado por um carro.
"Sim, eu sinto sua falta, Tio Willie. Eu tive que atirar em pessoas, mas nunca em alguém que tenha conhecido e amado por 11 anos", escreveu o autor. "Nem ninguém a ronronar com as duas pernas quebradas."
O ano das cartas varia de 1953 a 1960, um ano antes do suicídio do laureado escritor. Datilografadas ou escritas com sua caligrafia embaralhada, algumas chegaram em envelopes de papel cebola de sua casa em Finca Vigia, em Cuba.
O autor também escreveu da Europa, quando estava no safari na África e de sua casa em Idaho.
Ivancich e Hemingway se conheceram em um hotel em Veneza em 1949 e iniciaram uma amizade, apesar de uma diferença de idade de 20 anos, pois ambos tinham sofrido ferimentos de guerra nas pernas.
"Eu gostaria de poder escrever cartas tão boas quanto as suas", Hemingway disse em uma carta de janeiro 1958. "Talvez seja porque eu já escrevi tudo."
Especialistas dizem que as cartas mostram um lado de Hemingway imperceptível em seu trabalho como autor de temas como a guerra, as touradas, a pesca e a caça.
A Kennedy Library Foundation comprou as cartas a Ivancich em novembro e o curador da Coleção Hemingway, Susan Wrynn, reuniu-se com o agora idoso Ivancich na Itália.
"Ele ainda escreve todas as manhãs", disse Susan na quarta-feira. "Hemingway o encorajou a fazê-lo."
Juntas, as cartas mostram que o autor tinha um lado gentil e separava tempo para ser paternal e dar carinho a um amigo jovem, disse Susan Beegel, editora da revista acadêmica The Hemingway Review.
A carta de Hemingway sobre a morte de seu gato também mostra a luta do escritor para separar sua vida privada de sua vida pública. Hemingway descreveu como um grupo de turistas vieram à cidade naquele dia.
"Eu ainda tinha a arma e disse-lhes que tinham chegado em um momento ruim e lhes pedi que entendessem e partissem", escreveu ele.
Mas ele não conseguiu convencer um deles, que teria dito: "Chegamos no momento mais interessante, a tempo de ver o grande Hemingway chorar porque tem que matar um gato".
Em muitas das cartas, Hemingway pergunta a seu amigo sobre sua irmã Adriana Ivancich.
A menina era uma musa para o escritor, após conhecê-la em uma produção de caça ao pato, na Itália. Ela inspirou um dos personagens principais de seu romance "Do outro lado do Rio, Entre as Árvores", disse Beegel.