A funcionária da imigração de Londres me olhou e, com aquela simpatia habitual de quem trabalha recebendo gente em um país que não quer receber gente, inquiriu:
- O que você estava fazendo em Varsóvia? - com uma entonação de "ninguém vai para lá".
- Estava trabalhando - respondi, intrigada pela cara de espanto.
Seria porque ninguém vai para lá mesmo? Pelo menos a turismo, deveria. O motivo de minha viagem era trabalho, mas chegar um dia antes, num domingo de sol à Polônia, foi providencial. Ainda mais com um guia turístico de luxo: Grzegorz Piechota, editor especial da Gazeta Wyborcza, um jornal diário de Varsóvia que classificamos carinhosamente como o jornal mais parecido com Zero Hora no mundo _ um coirmão, em suma.
A caminho da Europa, li sobre a cidade. Em 1944, os poloneses iniciaram uma revolta contra as tropas nazistas instaladas no país havia cinco anos. Para resistir aos alemães, esperavam contar com apoio soviético. Mas Josef Stalin nunca mandou ninguém, e o resultado foi catastrófico: boa parte da população morta e a capital do país literalmente no chão.
Finda a guerra, mãos à obra. Cada tijolo destruído foi substituído por um semelhante. E a cidade destruída da década de 1940 ficou intacta nos anos 1980. A experiência de adentrar o Centro Histórico tinindo de novo é única. Até porque os poloneses fazem questão de lembrar o passado de horror. Em cada esquina, há fotos da Varsóvia devastada, para o visitante comparar o antes e o depois de uma reconstrução bem-sucedida _ o Stare Miasto (cidade velha, em polonês), foi declarado pela Unesco Patrimônio Cultural da Humanidade.
Os garçons com roupas medievais nos restaurantes e o vaivém das charretes colaboram para aumentar a impressão de se estar num cenário de mentirinha. Mas as flores frescas deixadas todos os dias aos pés da estátua de uma criança fardada mostram que a vida é bem real por lá. A escultura foi feita para homenagear os pequenos que lutaram na guerra.
Segundo Piechota, meu guia, por não terem medo de enfrentar o inimigo e nem pudores ainda desenvolvidos para titubear na hora de matar alguém, as crianças eram uma ótima, porém estúpida, tática de combate. No meu ranking particular, essa foi declarada a estátua mais impactante, mas o símbolo da cidade é outro: uma sereia (Syrenka, em polonês) nua, empunhando uma espada na mão direita e um escudo, na esquerda.
Os monumentos referentes à guerra são quase tão numerosos quanto o número de igrejas católicas de Varsóvia. A cidade é extremamente devota, ao ponto de abrigar uma quantidade expressiva de templos, alguns separados apenas por um prédio. São pelo menos cinco só no Centro Histórico (região facilmente vencida à pé). Um deles ostenta na fachada um pôster do mais ilustre fiel do país, Karol Wojtyla, o papa João Paulo II (nascido em Vadovice, cidade situada a 50 quilômetros de Cracóvia, em 1920).
Reconstrução bem-sucedida
Capital da Polônia não tenta esconder resquícios do horror nazista
Em cada esquina, há fotos da Varsóvia devastada, para o visitante comparar o antes e o depois
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