Um ambiente escuro e sem lugar para sentar, tomado por música muito alta, rápida e cantada de forma agressiva. Nada disso parece combinar com o conforto exigido, normalmente, pelo experiente público acima dos 60 anos. Mas é nesse hábitat que o hoje sexagenário João Gordo, líder da banda de punk rock Ratos de Porão, se sente muito à vontade.
Antes dos 60 anos completados em 2024, João Francisco Benedan somou no currículo experiências que vão além de ser integrante de uma das bandas pioneiras do rock pesado do Brasil, fundada em 1981 em São Paulo. Também marcou gerações como apresentador irreverente e polêmico no auge da MTV Brasil.
Mais recentemente, se tornou referência por defender a causa vegana (em que não se consome nenhum produto de origem animal). Carregou essa bandeira por quatro anos. Hoje, João Gordo é vegetariano por orientação médica (devido ao consumo de iogurte e queijo).
Pai de Vitória, 20 anos, e Pietro, 18, o músico diz que não tem medo de morrer, exceto por deixar os filhos. Chegar aos 60 anos, segundo ele, "pesa muito". E após diversos problemas de saúde, chegar aos 210 quilos e uma overdose, avalia que não vai ter "mais uma chance". Por isso, quer se cuidar e aproveitar.
Confira trechos da entrevista com o vocalista do Ratos de Porão. A conversa completa você confere no programa Playlist, da Rádio Gaúcha, no próximo sábado (31).
O segredo para chegar aos 60 anos com essa energia é a reinvenção, não ficar parado?
O tempo vem passando muito rápido, né? O jeito que eu vi de passar o tempo é fazendo coisas, fazendo projetos musicais e caminhando com a Vivi (Viviana Torrico, esposa do músico) nessa parada de solidariedade. Eu vivo um dia de cada vez. Já tentei morrer antes, só que eu não consegui. Do jeito que eu me tratei todo esse tempo, com consumo de drogas, obesidade, diabetes, bebida, um monte de coisa.
Qual é o boletim médico atual de João Gordo?
Eu acabei de fazer uma turnê com 16 datas, numa Europa inteira praticamente. Foi o teste. Acabei de perder 50 quilos e voltei a fazer psicanálise. Os 60 anos são brutos. É psicológico. Mesmo que você tenha a cabeça da eterna juventude que o rock e o punk te dá, dói o corpo. A mente vai ficando cansada e você vai ficando esquecido. Mas, assim, eu consigo fazer outra turnê sim, no ano que vem.
Você é sexagenário. Já caiu essa ficha? Como é que é chegar aos 60 anos?
É ruim, pesa muito esse número. Você começa a fazer projeções de futuro. Meu pai morreu com 70 anos. Então, se for nesse sentido, é minha última década na Terra, e eu sou obeso, diabético e um monte de coisa. Eu posso morrer a qualquer momento e eu fico com esses pensamentos de morte o tempo inteiro. Mas eu não tenho medo de morrer, eu acho até legal porque, de repente, eu vou conhecer um lugar que eu sempre tive curiosidade, para saber o que que acontece. Eu tenho é medo de deixar meus filhos aí.
Você falou em solidariedade. Como é o Solidariedade Vegan, que você ajuda pessoas em situação de rua?
Isso aí é uma iniciativa totalmente da minha esposa. Ela entrou nessa de cabeça e eu acompanho o quanto posso. A gente serve marmita e, agora, abriu uma cozinha solidária. Mandamos quase 300 marmitas por dia para a rua, para a cracolândia. O pessoal ali precisa bastante de ajuda. Ali na cracolândia podia estar um irmão seu, podia estar um filho seu. Não é só pobre e preto que tem ali. A cracolândia é a festa do umbral antes de você entrar no inferno. É chocante.
Você passou por vários episódios de internação e de problemas delicados de saúde. Qual foi o momento que você colocaria como um marco de "eu preciso viver mais"?
Foi agora. Parei de beber faz sete meses. O parar de beber foi essencial. Eu cheguei à conclusão, demorei a vida inteira para descobrir, que o álcool é a minha porta de entrada para tudo que é merda. Eu fiz a turnê agora, 16 shows, e só tomei cerveja sem álcool.
"Eu não tenho medo de morrer, eu acho até legal porque, de repente, eu vou conhecer um lugar que eu sempre tive curiosidade".
JOÃO GORDO
Músico
E você ressignifica alguma das letras de um passado em que elas faziam outro sentido? Por exemplo, se você pegar Beber até Morrer (do álbum Brasil, do Ratos de Porão), em que você fala sobre "viver sempre chapado é melhor do que lutar". Tem um ressignificado?
Hoje em dia é mais uma pergunta. "Beber até morrer, será essa a solução?" O Jabá, o nosso baixista original, virou tiozão de vila, pingou-se e morreu de cirrose. Bebeu até morrer. Eu não quero beber até morrer.
Tu achou em algum momento que fosse de fato morrer?
Antes da pandemia, em 2019, fiquei seis meses internado com pneumonia. Saindo da pneumonia, eu saí fraco, tomei litros de corticoide, comecei a ficar inchado, comecei a engordar. Aí quando entrou a pandemia, eu pirei de um lado e comecei a engordar do outro. Eu cheguei a pesar 170 quilos. Depois da pandemia, fiz de bengala o Rock in Rio e o festival Knotfest, lá na Colômbia.
"O parar de beber foi essencial. Eu cheguei à conclusão, demorei a vida inteira para descobrir, que o álcool é a minha porta de entrada para tudo que é merda".
JOÃO GORDO
Músico
Foi o máximo de peso que tu já teve na vida?
Não, eu já pesei 210 quilos. Hoje estou com 120 quilos. Fiz a cirurgia bariátrica em 2003 e estou tentando emagrecer mais, ficar melhor. Porque eu já tive uma chance. Depois que eu tive uma overdose, em 2001, eu vivi mais 20 anos depois disso. Eu já tive a minha chance. Acho que a próxima não vai ter chance não.
Pensa em parar em algum momento?
Já pensei algumas vezes já, mas não dá. Se você tem saúde para fazer show, vai fazer, porque é legal. Eu tiro isso como uma diversão remunerada. Você sai para dar um rolê nos países mais loucos do mundo, encontra um monte de amigos, os amigos te dão um monte de presente. É demais. E tudo remunerado.
O Ratos de Porão já esteve várias vezes em Porto Alegre. Como é a tua relação com o Rio Grande do Sul?
Eu amo Porto Alegre, amo o Rio Grande do Sul, tenho muitos amigos aí. Os irmão do Krisiun (banda de Ijuí, formada pelos irmãos Alex Camargo, Moyses Kolesne e Max Kolesne). Aqueles bares doidos aí de vocês, aí eu fui em todos. Tive vários momentos muito bons em Porto Alegre. Quando teve essa desgraça toda aí (a enchente), eu fiquei muito triste, muito preocupado. Saber que vai ter show depois do apocalipse que vocês tiveram aí é muito bom, saber que a gente vai conseguir encontrar nossos fãs gaúchos novamente.
Serviço
- Ratos de Portão em Porto Alegre
- Sábado (31), no Bar Opinião (José do Patrocínio, 834). O evento começa às 19h e tem a banda Código Penal, de Sapucaia do Sul.
- Ingressos podem ser adquiridos na plataforma Sympla.