Filho de pai norte-americano e mãe venezuelana, tendo sido criado no país sul-americano, Devendra Banhart respondeu à reportagem de GZH ora em espanhol, ora em inglês. Um dos principais nomes do folk psicodélico, ele volta a Porto Alegre nesta quinta-feira (11). Ele sobe ao palco do Opinião a partir das 22h (veja detalhes sobre ingressos ao final).
O músico traz a turnê do disco Flying Wig, lançado no ano passado. Admirador confesso da música brasileira — cita nomes como Caetano Veloso, Dick Farney, Tim Maia, Novos Baianos, Secos e Molhados e Ana Frango Elétrico —, Devendra falou sobre o show, o novo álbum e a Venezuela.
Como é o show que você traz a Porto Alegre desta vez?
É como um baile e uma sedução, tratando de tocar todas as cores do arco-íris. Não colocamos uma barreira entre a gente e a plateia, estamos tratando de colaborar energicamente. Eu e a banda sabemos tão bem as canções que há um espaço para inventar ou improvisar. Costumamos explorar todas as possibilidades das músicas que amamos. Como sou venezuelano, há um pouco de salsa e merengue em meu jeito, mesmo que a canção possa ser mais krautrock, ou algum outro estilo inglês ou norte-americano. Sempre há uma corrente de salsa e merengue em minha música. E também de reggae, de alguma maneira.
Qual foi o impulso que o levou à concepção de Flying Wig?
Era a oportunidade de colaborar com uma artista que admiro muito, Cate Le Bon. Também havia um haicai do escritor japonês Kobayashi Issa, um sacerdote budista do século 18, que inspirou todo o álbum (veja na publicação abaixo). Todas as faixas têm a ver com esse poema. Também quis fazer um álbum que soasse mais como um trabalho do Grateful Dead. Há muito de jam band neste disco, como menos palavras e mais espaço para o instrumental.
Como é trabalhar com Cate?
É como encontrar a liberdade na disciplina. Ela é muito disciplinada e intensa, trabalhamos até dormir. Mas dentro dessa disciplina, há muito espaço para improvisar e experimentar. Recomendo muito trabalhar com uma pessoa que não fica querendo te agradar e dizer que tudo é muito bom. É melhor lidar com alguém quevai te dizer a verdade.
O single Fireflies foi descrito por você como uma "música de arrependimento", além de versar sobre um "espaço onde duas visões contraditórias podem existir e ambas serem verdadeiras". O que o inspirou nessa canção?
Creio que seja uma destilação de todas as experiências que tive tentando ter um relacionamento. Vivi boa parte da minha vida como um eremita. Todas essas experiências formam minha consciência. Mesmo que sejam tão poucas, foram intensas. Cada relação romântica que apreciamos nos marca para sempre. Permanecem no nosso coração, e isso nunca muda. As circunstâncias mudam, mas creio que, fundamentalmente, quando amamos alguém, vamos amar essa pessoa sempre. Esse amor nunca se vai. Não é uma coisa ruim, é para celebrar, como um belíssimo milagre.
Que período de sua vida está refletido em Flying Wig?
(Antes de responder, Devendra pensa em silêncio por alguns segundos) Meu amigo Christian Stavros costuma dizer: "Be a mess in your best dress" ("Seja uma bagunça em seu melhor vestido", em tradução livre). Se puder fazer com que essa frase rime em português, será incrível (risos). É um dizer que encapsula esse momento. Não fiquei mais cínico ao envelhecer (Devendra tem 42 anos), me vejo mais sensível. É mais fácil para eu chorar. Me sinto mais vulnerável. Simplesmente aceito que estou chorando e rezando mais.
Nas fotos promocionais de Flying Wig, você usa um vestido. Não é a primeira vez que aparece assim. Nos últimos anos, como tem sido sua conexão com seu lado feminino?
Cate me deu um vestido durante as gravações, e isso me ajudou muito a cantar. Essa parte feminina de mim se sente mais poderosa. Também me ajuda muito quando tenho que apresentar um show e necessito me sentir um pouco mais forte. Me sinto muito natural em um vestido. Me sinto sexy, mas não tem a ver com sexualidade ou com gênero. Tem a ver mais com me conectar com uma parte de poder feminino dentro de mim. Tenho colocado vestido desde que tenho nove anos.
Sendo metade americano e metade venezuelano, que característica mais evidente você tem de cada nacionalidade?
Me sinto mais norte-americano quando estou na Venezuela e mais venezuelano quando estou nos Estados Unidos. Sinto que sou os dois e, ao mesmo tempo, nenhum. Tenho um sotaque estranho em todos os idiomas, tudo sai errado (risos). Me sinto mais brasileiro que um brasileiro, isso sim (risos).
Como tem se sentido diante das tensões sociais e econômicas que têm atingido a Venezuela nos últimos anos?
Me afetam muito, pois parte da minha família vive lá. Sou parte dessa terra. O que me parece mais triste é que a situação segue igual: opressora e dolorosa. A fome e a angústia seguem ali. Hoje em dia, tenho que pesquisar "Venezuela news" ("Venezuela notícias", em português) porque não sai nada nos noticiários. É uma coisa que aumenta minha dor, porque houve um momento em que o país era notícia. As pessoas tinham a Venezuela na consciência porque era notícia, mas isso parou. E segue igual.
Devendra Banhart
- Nesta quinta-feira (11), às 22h, no Opinião (José do Patrocínio, 834), em Porto Alegre.
- Ingressos a R$ 190 (inteiro) ou R$ 100 (solidário, mediante doação de 1kg de alimento não perecível no local).
- Pontos de venda: pela Sympla (com taxa), pela Loja Planeta Surf Bourbon Wallig (somente em dinheiro, sem taxa) e na bilheteria do Araújo Vianna (no dia do show, duas horas antes, sem taxa).
- Desconto de 50% para sócios do Clube do Assinante e acompanhante sobre o valor inteiro.