Autêntico, ousado e na batalha desde pequeno. Basta procurar vídeos das performances de Rick Samuel Mendes Duarte, ou apenas MC Xamuel, para entender a proporção que o jovem tomou nas batalhas de rima. Hoje com 18 anos, ele começou a duelar ainda cedo: aos 11. Com os sonhos muito bem definidos, nunca deixou de enfrentar os desafios para alcançar visibilidade na cena. Nas redes sociais, soma mais de três milhões de seguidores e é conhecido como príncipe do freestyle, pelo estilo que leva nas batalhas.
Criado em Viamão, Xamuel conta que foi no bairro Santa Cecília que construiu as primeiras lembranças da infância, quando brincava de fazer funk com os familiares:
— Meu irmão e eu brincávamos com o primo que também gostava muito de música e era mais ou menos da nossa idade. Ficávamos no pátio brincando de fazer funk, batendo na palma da mão, criando rima na hora. Eu devia ter uns sete anos, e a gente ficava nisso todos os dias praticamente, só se divertindo, brincando.
O amor pela música veio de berço, muito por influência da mãe, Cristiane. Desde cedo ele aprendeu a batalhar fora dos palcos e a improvisar no dia a dia para sustentar o sonho. Quando começou a frequentar as competições regionais, ia junto com o irmão, conhecido como MC Dubaile, o qual ele descreve como inspiração na carreira e na vida. O dinheiro da condução vinha da venda de sacos de lixo que eles faziam ao lado do pai, Ricardo.
— Meus pais sempre me apoiaram nisso mais do que ninguém. Por mais que em alguns momentos tivessem o instinto de proteção falando mais alto, pensando que eu tinha que ir batalhar de noite em um bairro perigoso, em uma cidade desconhecida, eles sempre abraçaram e acreditaram no nosso sonho. Meu irmão e eu sempre nos ajudamos, estávamos nos mesmos ambientes e começamos a batalhar juntos. A gente costuma falar que não é um sonho só meu e do meu irmão, mas um sonho deles também — destacou.
O nome artístico também veio direto das batalhas. Ali ele soube aproveitar da malandragem com quem tirava onda das dificuldades que tinha na pronúncia por ter a língua presa:
— Sempre falava Xamuel quando falava na terceira pessoa. O povo me zoava muito. Foi algo que decidi abraçar ao invés de ter vergonha.
Aos 13 anos, época em que a vida está apenas começando para alguns, o jovem já participava do Rap in Cena, que na época ainda não era oficialmente um festival. Ele elege esse como um dos momentos mais marcantes da sua trajetória. Ao relembrar do evento, destacou o desafio que foi superar adversários do centro do país, que, diferente dos gaúchos, possuem maior visibilidade no cenário.
— Estava me apresentando para quatro mil, cinco mil pessoas no palco enorme do Pepsi On Stage e ainda fui campeão da batalha, uma sensação indescritível, principalmente por estar representando o Rio Grande do Sul. Eram quatro MCs daqui e quatro de São Paulo, e o que tava passando pela minha cabeça é que a gente tem tanto talento quanto eles, só que a gente não tem a metade da visibilidade que eles têm — pontuou.
Ainda sobre a cultura do hip-hop no Rio Grande do Sul, Xamuel disse que há espaço para todos, mas que faltam incentivos. Otimista, ele acredita que é uma questão de tempo para que o cenário fique fortalecido, porque os artistas já estão prontos, esperando a sua vez.
A gente não tem metade da visibilidade que eles têm.
XAMUEL
Sobre reconhecimento dos MCs gaúchos com relação aos artistas do eixo Rio-São Paulo.
— A mesma batalha que você vê em São Paulo, vai ver em alguma quebrada do Rio Grande do Sul que ninguém tá falando sobre. Tem vários artistas muito preparados, talentosos e gigantes artisticamente. Mas aqui não tem uma visibilidade tão grande quanto nos Estados do eixo. Assim como o RS já foi muito grande no funk na época do MC Filipinho, MC Tchesko, por exemplo, acredito que no trap vai acontecer de novo. A gente tem tudo que precisa. É um processo que vai acontecer.
Ganhando a cena
Aos 15, Xamuel já viajava para participar de competições em diferentes Estados. Em 2021, se juntou a uma das maiores batalhas de rimas do país, liderada pela organização Batalha da Aldeia (BDA), coletivo cultural que organiza esse tipo de evento em todo o Brasil.
Além do talento no improviso, ele também se destaca pelo estilo autêntico que adota nas apresentações. O traço delineado no olho foi uma característica adotada na hora de se preparar para as performances. Funcionou quase como um amuleto da sorte, e rendeu até uma publicidade com uma marca de maquiagens, que valorizou o estilo do MC. Para ele, é muito mais do que isso:
— Sempre achei muito bonito. Artisticamente falando, quando você vai fazer uma performance, pode ser um diferencial. A primeira vez que usei delineado foi quando fui campeão da Batalha da Aldeia. Foi um momento muito marcante. Ali percebi que não era algo que ia conseguir fazer uma vez ou outra, e sim, algo da minha personalidade. Com o tempo, fui descobrindo que isso era mais importante do que parecia — contou.
Na cena e nas redes, o estilo, por vezes, foi criticado. Mas isso não bateu tanto para Xamuel, que acredita que a questão da maquiagem — e da autenticidade — ainda é um tópico de desconstrução, mas que pode incomodar alguns muito mais pela dificuldade de compreensão do que se quer passar.
A primeira vez que usei delineado foi quando fui campeão da Batalha da Aldeia
XAMUEL
Sobre a caracterização para as batalhas de rima.
— Rolou preconceito. Até hoje rola, mas acho que a nossa geração tem esse papel de quebrar esse ciclo para que a gente consiga ser cada vez mais livre e consiga fazer o que a gente tem vontade, sem precisar se prender a algum rótulo.
A caracterização de Xamuel chegou a ser comentada durante uma batalha entre ele e Jhony MC, que se denomina o “Rei do Tanque”. Na ocasião, o adversário criticou o delineado do jovem perante aos demais. A batalha, na época, rendeu, e hoje soma mais de 10 milhões de visualizações no YouTube.
Na contramão de Jhony, outros MCs saíram em defesa do jovem. Um exemplo é o rapper Orochi, outro grande nome da cena. Uma publicação do X (antigo Twitter) feita no ano passado destaca uma fala do artista, que se mostra impressionado com o hit de Xamuel sobre maquiagem se tornar um hit nas redes sociais.
Sobre as críticas, as quais esteve exposto desde cedo por conta da carreira, ele ressalta que leva tudo como um aprendizado e tenta lidar da melhor maneira possível, sem se deixar abalar:
— Acho que é mais uma dificuldade de expressão que as pessoas têm. As pessoas querem que você faça algo de outro jeito, às vezes não entendem o que você está querendo transmitir e por isso que a reação delas é criticar por não entender. Prefiro aceitar até coisas ruins como boas para mim e acredito que tenha dado muito certo até aqui.
Antes de completar 18 anos, em dezembro do ano passado, Xamuel deu um passo e tanto: assinou com a gravadora Universal. Com os lançamentos Alguém Conseguiu Entender e Sozinho, já soma mais de cinco milhões de visualizações no YouTube.
Para 2024, o MC revelou o desejo de lançar um novo álbum. Ele destaca que, se tudo seguir no ritmo que está, esse pode ser um momento de mudança na carreira:
— Espero que as pessoas gostem, que se identifiquem com essa obra, principalmente as que são do Rio Grande do Sul, de onde eu vim e que passam pelo que a gente passa.
Mais uma batalha a ser superada e, quem sabe, mais hits para as redes sociais.