Leandro Roque de Oliveira, também conhecido como Emicida, canta em seu álbum mais recente, AmarElo, que "quem tem um amigo tem tudo". Considerando esta afirmação, ele próprio pode comemorar bastante, porque tem milhares de amigos em Porto Alegre. E eles praticamente esgotaram os ingressos para as duas noites de shows que o rapper fará no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), que tem mais de 4,2 mil lugares, neste sábado (1º), às 21h, e no domingo (2), às 20h, sendo esta data extra.
O artista paulistano de 37 anos chega à Capital com a turnê que leva o nome do projeto multimídia AmarElo, no qual interpreta as canções do álbum homônimo lançado em 2019 e que teve a sua turnê interrompida por causa da pandemia de covid-19. Mesmo sem conseguir levar o seu show pelo Brasil e o mundo na época, as músicas repercutiram e foram companhia de diversas pessoas durante o período de isolamento.
Canções como AmarElo, Ismália, Principia, Pequenas Alegrias da Vida Adulta e a própria Quem Tem um Amigo (Tem Tudo) se tornaram alentos sonoros em tempos de incertezas e medo. Com mensagens de esperança, aceitação, resistência e amor, a obra evoluiu para dois conteúdos especiais na Netflix: o comovente documentário Emicida: AmarElo — É Tudo pra Ontem e o show gravado durante apresentação no palco do tradicional Theatro Municipal de São Paulo, antes da pandemia estourar.
Durante a apresentação, inclusive, Emicida disse:
— Muito importante trazer um concerto de rap para cá. Isso aqui é o resultado do sonho coletivo de muita gente. Essa conquista é o que anistia o espírito de quem veio antes de nós e sofreu.
Apesar do local já ter recebido shows de rap antes daquele apresentado por Emicida, em novembro de 2019, eles foram dentro do evento Virada Cultural, promovido pela prefeitura de São Paulo. O artista, em suas duas apresentações, fez história e abriu a casa de espetáculos para noites exclusivamente dele, dos seus companheiros de palco, de seu público e, principalmente, de exaltação à negritude. Os ingressos, na ocasião, se esgotaram em 10 minutos.
Agora, o artista celebra poder dar o tão esperado abraço ao vivo nos demais fãs, através de suas músicas, depois do arrefecimento da crise sanitária. Ainda em abril, Emicida deixa o Brasil para levar o seu talento também para o outro lado do oceano, com a Eurotour 2023 — por lá, vai cantar em países como França, Alemanha, Espanha e Portugal. Nos banners da divulgação, ao lado da foto do artista, um aviso dizendo, em diversas línguas, "a estrela do documentário AmarElo, da Netflix", mostrando a globalização de seu trabalho.
Coração
A procura pelo show de Emicida na Capital, fazendo com que o artista fizesse uma noite extra no Araújo Vianna, pode ser explicada, além da grande popularidade do rapper, pela força da cultura hip hop no Rio Grande do Sul. Por aqui, há a Casa da Cultura Hip Hop, o Museu do Hip Hop — este sendo o primeiro do país —, bem como o festival Rap in Cena, além de diversos artistas consagrados da cena que nasceram por aqui.
Um deles é Rafa Rafuagi, que, aos 34 anos, se coloca ao lado de Emicida como sendo da "geração do meio" da cultura hip hop no Brasil — que está presente no país há quatro décadas. De acordo com o artista gaúcho, estes nomes que fazem a ligação, com respeito, entre os pioneiros e os novos integrantes da cena foram fundamentais para que a cena pudesse se popularizar.
— O Emicida deu condição para que o hip hop pudesse ser visto como cultura dentro do Brasil e, de certo modo, respeitado dentro de ambientes que historicamente o hip hop nunca frequentou e onde foi sempre hostilizado — enfatiza Rafa.
Para Cristal, que aos 21 anos faz parte da nova geração de rappers, Emicida tem uma importância que vai além da cena do rap, sendo um artista fundamental para a história. De acordo com ela, o rapper apresenta assuntos essenciais para a construção da sociedade em suas letras e as distribui de forma natural em suas músicas, que servem como ferramentas para alcançar as pessoas:
— A gente acompanha ele pelos anos e vai evoluindo, crescendo e aprendendo com ele. O Emicida teve muitas fases, e os públicos vão mudando. Eu me lembro de ouvir Emicida em família. Meus primos ouviam, mas minha mãe também, e era uma música que também agradava a minha avó e os meus tios. Então, ele tem o dom de saber chegar a qualquer pessoa, saber tocar com as palavras.
A artista gaúcha ainda reforça que, em AmarElo, o rapper paulistano apresenta uma outra óptica do hip hop, com a qual ela afirma que os próprios artistas do rap ainda não tinham se identificado — ou aceitado —, que é a sensibilidade. Segundo Cristal, com o trabalho de Emicida, ficou evidente que a referida cultura é constituída, também, por famílias e por amor.
— Ele tira esse estereótipo do zangado, do marginalizado, do revoltado, do bandido, do crime, da ostentação. Nós falamos sobre a realidade, mas aqui ele traz a possibilidade da gente poder contar o quão frágil é, o quanto ama alguém, o quanto sente saudade, o quanto tem medo — diz Cristal. — A gente pode ser tudo, a gente pode estar lá, pá, pá, pá, falando alto, rimando, brabão, "gangsta", e a gente pode estar fazendo um som mais MPB, uma parada com instrumentais, uma voz que chega, quem sabe, nas pessoas mais velhas. Então, é a gente saber que pode ser tudo e nada do que esperam de nós.
Sobre essa evolução das letras de Emicida, que começou com sons pesados e de contestação, Rafa Rafuagi cita Nina Simone, para destacar que um artista deve refletir o seu tempo e, neste processo, o colega paulistano foi encontrando novas formas de passar as suas mensagens, com letras mais poéticas. Neste sentido, Rafa acredita que o autor de AmarElo consegue chegar a um público ainda maior:
— Ele tem o poder de fazer com que essas pessoas se somem nas lutas que são pautas históricas do hip hop, que é a luta antirracista, a luta pela educação, a luta pela valorização da cultura. Eu vejo que a estratégia que o Emicida adotou na sua carreira foi fundamental para que a gente tivesse condição de ter mais aliadas e aliados ao nosso lado.
Por sinal, Emicida e Rafa já se conhecem há quase 20 anos e até gravaram juntos. Em 2014, o paulistano veio participar da música Resta 1, de Rafuagi, e a letra que eles cantaram também pode ser relacionada com a história do rapper, cada vez mais mundial: "Cada lugar que pisar, pisei/ Passar, passei, firmão/ Deixei um pouco do coração/ E ele me respondeu tum tum/ Cada lugar que pisar, pisei/ Passar, passei, firmão/ Deixei um pouco do coração/ Porque aqui ainda resta um".
E é isso que o público que vai lotar as duas noites do show de Emicida no Araújo Vianna deve estar esperando: que o artista passe firmão, mas que deixe um pouco do seu coração aqui em Porto Alegre.
Emicida – AmarElo
- Neste sábado (1º), às 21h, e no domingo (2), às 20h, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre.
- Classificação: 16 anos.
- Ingressos: R$ 1.000 (mesa bistrô com quatro lugares), apenas para o domingo. Os demais ingressos para as duas sessões estão esgotados.
- Ponto de venda sem taxa: Loja Planeta Surf Bourbon Wallig (Av. Assis Brasil, 2.611 – loja 249), das 10h às 22h, e bilheteria do Araújo Vianna, aberta duas horas antes do evento. Pontos de venda com taxa: pelo site sympla.com.br/araujovianna.