"A vida é dura, mas que bom que existe o samba para relaxar", reflete Zeca Pagodinho em Sexta-feira, canção presente em seu último disco, Mais Feliz, lançado no final de 2019. A música nunca fez tanto sentido como agora, pois os últimos dois anos não foram fáceis para o cantor: Zeca pegou covid-19 duas vezes, chegando a ser internado, precisou ficar longe dos palcos e dos botequins, viu a turnê do álbum novo ser interrompida enquanto ainda engatinhava, perdeu amigos. Não fosse o samba, a vacina e Deus, tríade que ele faz questão de reverenciar, sabe-se lá o que seria de Zeca Pagodinho. Graças aos três, o sambista de 63 anos continua deixando a vida o levar. Agora, ela o traz até Porto Alegre, onde apresenta dois shows no Auditório Araújo Vianna, na sexta (28) e no sábado (29), para celebrar os tempos melhores, a volta aos palcos e aos botequins, e que bom que o samba existe.
As duas noites serão embaladas pelo repertório de Mais Feliz. O disco traz 14 músicas, sendo 11 inéditas e três regravações: Peregrinação, do grupo Fundo de Quintal; O Sol Nascerá (A Sorrir), de Cartola e Elton Medeiros, que ele interpreta no álbum ao lado de Teresa Cristina; e Apelo, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, cantada por Zeca com o gaúcho Yamandu Costa no violão sete cordas e o carioca Hamilton de Holanda no bandolim.
Entre as inéditas, duas, Enquanto Deus Me Proteja e Nuvens Brancas de Paz, têm a participação de Zeca na composição — a segunda feita por ele junto do amigo Arlindo Cruz, em 2017, no último encontro dos dois antes de o ex-Fundo de Quintal sofrer um AVC. Mas todas as canções do disco, sejam inéditas ou regravações, passam pelos dois temas mais caros ao cancioneiro de Zeca Pagodinho: a vida no subúrbio, com uma estrelinha no quesito boemia, seu carro-chefe, e o amor.
Destacam-se na primeira categoria Carro do Ovo, alusiva ao veículo que é velho conhecido de quem vive nas periferias brasileiras; Quem Casa Quer Casa, que é ao mesmo tempo uma crônica suburbana e uma canção de amor; Sexta-feira, aquela em que Zeca dá graças à existência do samba, ainda que a vida seja dura; e Na Cara da Sociedade, música na qual lamenta os problemas sociais do Rio de Janeiro e do país. Com os shows em Porto Alegre marcados para as vésperas do segundo turno das eleições, esta última também poderá fazer o público refletir com o refrão: "O medo estampado na cara da sociedade / É o rico, é o pobre, é o mesmo perigo / É a bala perdida, é a guerra, é o caos / É a ignorância dos votos nos bons homens maus".
Na ala das românticas está Mais Feliz, que dá título ao álbum e, em três anos desde o lançamento, já entrou também para a ala de maiores sucessos do sambista. "Sinceramente, amor/ Eu tenho que me beliscar de vez em quando/ Pra ver se é verdade ou se estou sonhando/ Se a gente assim sempre se quis/ Quem pode então ser mais feliz?", diz o refrão apaixonado do novo hit. E sobre hits Zeca avisa que, apesar de os shows na Capital focarem o repertório recente, quem for ao Araújo Vianna esperando ouvir as suas mais clássicas canções não voltará para casa desapontado. Pelo contrário, se depender dele.
— Vamos levar o show Mais Feliz, que teve a turnê interrompida pela pandemia, e também cantar os sucessos que não podemos deixar de fora. Espero que o público se divirta e volte para casa feliz — deseja o sambista, que relata saudade da capital gaúcha. — Porto Alegre sempre nos recebeu muito bem, tenho amigos na cidade e muito boas lembranças das nossas passagens por aí.
O reencontro com a cidade deve ser, então, embalado também por músicas como Deixa a Vida me Levar, Verdade, Quando a Gira Girou, Faixa Amarela, Uma Prova de Amor, Seu Balancê, Não Sou Mais Disso e Camarão que Dorme a Onda Leva — ou seja, as essenciais. Esta última canção, aliás, é essencial não somente pelo sucesso que faz entre os fãs do cantor. Também foi a música responsável por lançar Zeca Pagodinho aos holofotes, dando o primeiro passo na estrada de seus quase 40 anos de carreira, que serão completados em 2023.
Tudo começou com um empurrãozinho de Beth Carvalho, conhecida pela alcunha de Madrinha do Samba, que Zeca também tinha como sua madrinha particular no gênero musical. Foi Beth que, em 1983, desafiou-o a gravar pela primeira vez, justamente um dueto de Camarão que Dorme a Onda Leva, composição dele com Arlindo e Beto Sem Braço. Zeca não imaginava que com isso fosse virar cantor, como conta, mas deixou a vida o levar.
— Costumo dizer que a música me escolheu. Não tinha nenhuma pretensão de ter sucesso, eu queria era compor, ouvir meus sambas nas rádios, nas vozes de outros artistas, mas eis que chegou a Beth Carvalho e me jogou nessa vida (risos) — lembra.
A efeméride das quatro décadas desde esse episódio vai ser celebrada em grande estilo no ano que vem: Zeca será tema do samba-enredo da Grande Rio, atual campeã do Carnaval carioca. A preparação do músico para a folia segue à risca as "medidas provisórias" descritas na canção dos amigos do Fundo de Quintal que leva esse nome. A letra, que resume bem a fase atual de Zeca Pagodinho, diz: "Eu vou mudar de vida/ Vou mudar de atitude/ E a primeira medida/ É cuidar da saúde".
— Tive que mudar, né? Tinha gente que dizia que eu não chegaria aos 30. Já que cheguei aos 63, tenho que me cuidar — brinca o músico, conhecido pela fama de boêmio.
O resultado dos novos hábitos poderá ser visto nesta sexta e sábado, com Zeca no comando de dois shows que prometem colocar à prova a disposição do público. Isso porque, da parte dele, a disposição para colocar todo mundo a sambar já está mais do que garantida.
Zeca Pagodinho em Porto Alegre
- Nesta sexta (28) e no sábado (29), às 21h, no Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685), em Porto Alegre.
- Ingressos a partir de R$ 290 (inteiro) ou R$ 150 (solidário, mediante a doação de 1kg de alimento não perecível), à venda em Sympla (sexta e sábado).
- Desconto de 50% sobre o valor do ingresso inteiro para sócios do Clube do Assinante e um acompanhante.