Na música clássica, hoje em dia, não são necessariamente os mais experientes que fazem as vezes de oráculos. Nesta indústria que teme o envelhecimento do público, as vozes de jovens talentos têm sido ouvidas com a atenção dedicada a uma grande sinfonia.
A expectativa é que possam conduzir não apenas os músicos durante os concertos mas também suas orquestras enquanto instituições rumo à renovação da plateia e – por que não? – do repertório. Prova disso é o interesse despertado pelo trabalho de garotos prodígios da regência como o finlandês Klaus Mäkelä, 26 anos, e o israelense Lahav Shani, 33. Mesmo jovens, eles já acumulam alguns feitos.
Regente-chefe da Filarmônica de Oslo (que, em 2020, logo garantiu sua permanência por sete temporadas) e diretor musical da Orquestra de Paris, Mäkelä é o primeiro maestro a assinar um contrato com o selo Decca desde Riccardo Chailly, em 1978. A ambiciosa estreia desta parceria – a gravação das sete sinfonias de Sibelius com o conjunto norueguês – foi lançada em abril, resultando no que o crítico Edward Seckerson, da revista Gramophone, considerou "uma estreia über-auspiciosa".
Sibelius, o álbum, que também inclui as peças Tapiola e Três Fragmentos Tardios, está disponível em uma caixa importada de quatro CDs, mas os melômanos brasileiros economizarão uns bons dólares se optarem pela audição nas plataformas digitais, como Spotify, Apple Music e YouTube Music. Naturalmente, as sinfonias não foram compostas para serem ouvidas em uma única sentada, mas se você já passou uma tarde maratonando séries, encarar 4 horas e 25 minutos de música pode ser também uma experiência recompensadora. O próximo projeto de Mäkelä com a Filarmônica de Oslo será a gravação do ciclo completo das sinfonias de Shostakovich, que serão lançadas em álbuns individuais – a de número 6 já está a caminho.
Mäkelä é uma figura da "geração do streaming", como define Andrew Mellor em uma longa reportagem publicada na Gramophone por ocasião do lançamento da caixa. Um dos trechos mais interessantes da entrevista é quando Mäkelä ressalta o potencial de uma sala de concertos para expandir o público de uma orquestra e introduzir diferentes repertórios. Isso ocorreu, segundo ele, após a inauguração do Music Centre de Helsique (em 2011) e da Philharmonie de Paris (em 2015). Está nos planos da Filarmônica de Oslo – que toca em um espaço com acústica duvidosa, a Oslo Concert Hall – a construção de uma nova sede nos próximos anos. E aqui em Porto Alegre, acrescento eu, parece que a Casa da Ospa, aberta em 2018, está permitindo à nossa Orquestra Sinfônica de Porto Alegre justamente esses dois importantes saltos – público e repertório, o que é evidente nesta temporada, com estreias de obras de compositores contemporâneos, inclusive gaúchos.
Já Lahav Shani, que despontou na cena internacional nos últimos anos, assumiu a direção musical da Filarmônica de Israel em 2020, sucedendo o lendário maestro Zubin Mehta, que ocupava o posto desde 1969. Foi o maestro indiano quem deu a Shani a primeira oportunidade de reger a Filarmônica, durante um ensaio, além de um conselho: "Cause uma boa primeira impressão para que a orquestra o convide novamente".
Enquanto a primeira gravação do pupilo à frente do conjunto israelense é aguardada com expectativa, dois registros com a Filarmônica de Roterdã, outra que ele comanda, estão disponíveis pela Warner Classics nas plataformas digitais. O primeiro, com a Sinfonia nº 7 e o Concerto para Piano nº 4, ambos de Beethoven (tendo o próprio Shani como solista), é de 2020, e o segundo, com a Sinfonia nº 2 de Kurt Weill e a Sinfonia nº 5 de Shostakovich, saiu em maio. Merece nossa atenção a obra de Weill, compositor mais conhecido pela trilha de peças de Brecht e que aqui figura com uma de suas partituras de concerto mais importantes, embora pouco programada pelas orquestras.
Em depoimento a Josef Federman, da Associated Press, em 2019, Shani afirmou que metade dos músicos da Filarmônica de Israel havia se aposentado ou saído nos anos anteriores e que isso seria uma oportunidade para introduzir novos sons e se conectar com uma nova geração de espectadores. De que forma? "O que estamos tentando transmitir ao público é que a música que eles estão ouvindo agora é incrível. Se eu não estiver convencido como músico de que a música que estou tocando é a melhor que há, não posso esperar que o público tenha o mesmo sentimento", defendeu.
Nunca foi tão verdadeiro dizer que as palavras desses jovens oráculos soam como música para os nossos ouvidos.