Se alguém afirmasse para MC Jean Paul que ele sairia de São Paulo, na adolescência, moraria em Porto Alegre, carregaria móveis, entraria para o mundo da música, seria aclamado pelo seu público como "presidente do funk no Rio Grande do Sul" e, para completar, passaria por perrengues em quase dois anos de pandemia de coronavírus, ele admite: seria difícil de acreditar. No entanto, para um cara de fé, batalhador, de origem japonesa, que tem no mestre budista Daisaku Ikeda seu exemplo, nada disso seria impossível.
Em 2022, Jean, 42 anos, completa 20 anos de carreira, celebrando feitos em um gênero marcado por polêmicas no país – e que sempre sofreu preconceito no Rio Grande do Sul, um Estado com tradição em outros ritmos musicais, como nativismo e rock.
Confira os novos projetos do cantor, fatos inéditos de sua vida e a história intimamente ligada ao Diário Gaúcho.
Um 2022 repleto de novidades
Para marcar a data tão especial, Jean Paul anuncia uma série de projetos e eventos. Alguns, ele ressalta, já estão em andamento. No começo deste mês, fez o primeiro show da turnê de 20 anos, na Arena do Grêmio, em evento que abriu a apresentação da dupla sertaneja Zé Neto & Cristiano.
Ao longo do ano, pretende relançar, pelo menos, três músicas que marcaram sua carreira, com clipes, em versões repaginadas: Meu Primeiro Amor, Noite de Verão e Summer Funk. Além disso, o lançamento da faixa inédita #fazstories, acompanhada de clipe, está previsto para o dia 5 de março . Para completar, o funkeiro anuncia, em primeira mão, que, neste ano, começam a ser captadas imagens para um documentário sobre sua trajetória.
Iniciativa beneficente
Para resgatar uma iniciativa marcante de sua carreira, em outubro, o cantor deve fazer uma edição especial do Baile de Debutantes com MC Jean Paul. O projeto surgiu, em 2010, da vontade de ajudar fãs, cujos pais não podiam proporcionar uma festa de 15 anos. As meninas mandavam cartas, e ele fazia a seleção. A noite de princesa era custeada por ele, que ainda dançava valsa com as debutantes.
— É um dos grandes momentos deste ano especial — anuncia Jean.
Nas ondas do rádio, sonho realizado
No segundo semestre de 2021, Jean Paul começou a realizar um sonho de criança: ser comunicador de rádio. À frente dos programas Esquenta do MC Jean Paul e Domingou de Verão, que vão ao ar nos finais de semana na rádio 92 (92.1 FM), ele vem ganhando destaque na audiência e coloca o funk em uma posição de relevância no cenário gaúcho.
— Lá no início, antes de pensar em cantar, sonhava em ser comunicador da rádio Cidade. Naquela época, meu irmão e eu fazíamos gravações fingindo que estávamos entrevistando as pessoas. Estar na 92 é a realização de um sonho, acredito que seja a consolidação da carreira ter um programa numa rádio de ponta. É um sinal de que você venceu na carreira — comemora.
De acordo com Martin TJ, gerente de produto e programação das rádios de entretenimento do Grupo RBS, os programas de Jean tiveram aumento de audiência no horário.
— É um presente e uma honra para mim ter esse reconhecimento do público, em um espaço de tempo tão curto. Estamos levando o funk a outros patamares — afirma Jean.
Ligação íntima com o Diário Gaúcho
Ao longo de 20 anos, a ligação de Jean com as rádios Farroupilha e 92, além da extinta rádio Cidade, sempre foi muito estreita. Mas, ele confessa que tem uma cumplicidade especial com o DG.
— Na época em que as redes sociais não existiam, o DG me deu imagem. Comecei a ficar conhecido quando apareci no jornal. Senti que estava ficando conhecido, um dia, quando fui na padaria, e o padeiro falou: “Cara, tu está no DG!”. A (rádio) Cidade, na época, me deu a voz, e o DG me deu a imagem. E as participações nas festas de aniversário do jornal me alavancaram — lembra.
Nesta linha, que acabou conduzindo boa parte da carreira do funkeiro, ele lembra de momentos importantes que tiveram apoio do jornal, como o lançamento do primeiro disco, A Partir de Agora, o Baile É Funk (2006), que vinha encartado junto com a edição impressa do Diário.
— Cara, tu não faz ideia do quanto um artista sonha em lançar seu primeiro disco. E o Diário estava lá comigo em um momento fundamental. E sempre esteve nos principais momentos da minha carreira — afirma.
Entrevista: “Nunca perdi a minha essência”
São 20 anos de carreira em 2022. Quais são os momentos marcantes?
Não tem como não citar o show que fiz no Theatro São Pedro (em 2007), um show de funk com orquestra, inédito na história do local. Foi um marco para o funk brasileiro, mudou muito o conceito do gênero quando colocamos o funk para dentro do teatro. Naquela época, o ritmo era muito mais discriminado do que é hoje, quebramos paradigmas, fizemos com que a sociedade olhasse para o funk de um outro jeito. E, claro, a participação no palco central do Planeta Atlântida (em 2010). Fui o primeiro funkeiro a cantar no palco central. E teve o show em Ibiza, na Espanha (em 2015, quando cantou no casamento de dois fãs gaúchos, realizado em um barco em alto-mar).
Antes do sucesso, quem era Jean Paul?
Antes de cantar, eu era DJ, mas a coisa não estava engrenando. Tocava em uma casa noturna que fechou. Antes disso, eu servi na Aeronáutica. Aí, tem um ponto fundamental na minha vida, que poucos conhecem: MC Jean Paul surgiu em um momento trágico, que foi a perda do meu irmão mais novo (Bryan, vítima de afogamento em Cidreira, no Litoral Norte, em 2000). Ele seria o artista da família, e eu seguiria carreira militar, eu era o tenente Tyba. Quem queria ser artista era ele. Não era do meu jeito ser artista. Então, quando saí da Aeronáutica, de certa forma, incorporei o sonho do meu irmão. Todas as vezes que eu subo no palco, dedico o show para ele. É como se nós dois estivéssemos juntos no palco. E, antes de começar a carreira, durante um bom tempo, trabalhei na loja de móveis do meu tio, carregando móveis. Eu já tinha lançado algumas faixas, mas ainda não conseguia viver de música. Teve até uma história engraçada desta época. Um dia, eu estava carregando um móvel muito pesado, e minha mãe me chamou, gritando: “Jean, tua música está tocando na rádio”. Eu levei um susto, deixei cair o móvel (risos). Foi marcante.
Além de suas influências musicais, quem o trouxe até aqui?
Tive apoio de muita gente, ninguém faz nada sozinho. Ninguém desiste de um sonho por não querer mais, a maioria desiste porque falta força e coragem pra continuar. Depois de 2012, meu combustível foi meu filho, Kazuki (nove anos). Tudo que faço é pensando nele, é minha força, meu oxigênio. E minha mãe (Fátima), claro, a rainha, que sempre me deu força para tudo.
Você transita bem entre classes mais abastadas e a periferia. A que atribui isso?
O estilo de funk que eu sempre fiz permitiu que eu conseguisse flutuar entre a classe A e a periferia, dos jovens aos adultos. Eu canto em parques, por exemplo, onde tem avós, avôs, netos. Consigo agradar à família toda. Há noites em que eu vou de um show no (bairro) Moinhos de Vento direto para a periferia e com a mesma cabeça: respeitando meu público.
Nesses 20 anos, vários subgêneros do funk bombaram no país, como ostentação e proibidão. Você nunca mexeu no seu som. Como é isso?
Há alguns anos, um empresário do meio me disse: “Vou te dar R$ 1 milhão adiantado, vai ficar milionário, vai fazer outro tipo de funk e teu som vai tocar em todo o país”. Essa foi apenas uma das propostas que recebi para mudar meu estilo. Aquele cara sabia que eu poderia atingir um outro público fora do Rio Grande do Sul. Hoje, não sou o MC mais famoso. Estou longe de ser o mais rico. Mas, nunca perdi minha essência, nunca desonrei meus fãs, fugindo da minha raiz. Esses 20 anos simbolizam uma vitória da minha essência, do meu legado. Tem mais de 200 meninas que me tatuaram em seus corpos. Tenho vários fãs-clubes. Hoje, eu olho para trás e vejo que não me vendi. Estourar uma música é difícil, mas se manter bem é ainda mais difícil. Para mim, é uma grande vitória ver que minhas músicas atravessaram gerações e que seguimos firmes.