Marisa Monte é uma chave-mestra que abre velhas e novas portas em seu primeiro disco solo em uma década. Traz a mesma sonoridade requintada que a consagrou, porém aliada a novos frescores. Lançado na última quinta-feira (1º), no mesmo dia que a cantora completou 54 anos, Portas é o oitavo álbum solo da artista.
São 16 faixas de um pop suave e sereno que, em certos momentos, poderiam estar em trabalhos como Mais (1991), Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão (1994) ou Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000). O álbum soa nostálgico em alguns momentos, mas também é otimista mesmo quando Marisa canta sobre desafeição.
Portas também foi trabalhado visualmente. Cada faixa ganhou dois vídeos, uma com imagens de estúdio e outro trazendo cifra e letra, com pinturas da artista Marcela Cantuária que interpretam as músicas do disco.
Para este projeto, o plano de Marisa era entrar em estúdio em maio de 2020. Nos últimos anos, ela preparou um repertório que estava aguardando o momento ideal para ser gravado. Porém, a pandemia obrigou-a a repensar seu planejamento.
Nesse período que o disco estava em banho-maria, Marisa encorpou o repertório. Fez Vagalumes com Arnaldo Antunes, e compôs Sal e Você Não Liga com Marcelo Camelo, que também trouxe uma música sua já pronta, Espaçonaves. Em novembro, a cantora finalmente entrou em estúdio no Rio de Janeiro para começar as gravações, que conteve contribuições remotas — como de Los Angeles (voz de Flor, filha de Seu Jorge, em Pra Melhorar), Nova York (co-produtor Arto Lindsay, parceiro de longa data) e Lisboa (arranjos de Marcelo Camelo), além do próprio Rio com banda em locação separada. Vale ainda destacar que Portas tem arranjos do trombonista Antonio Neves e do renomado maestro Arthur Verocai.
Além dos já citados Camelo e Antunes, Portas é um disco que traz parcerias de Marisa com nomes como Nando Reis, Pedro Baby, Pretinho da Serrinha, Dadi, Seu Jorge e os irmãos Lúcio Silva e Lucas Silva. Porém, a revelação fica por conta do parceiro mais pujante do álbum: Chico Brown, 24 anos, filho de Carlinhos Brown e neto de Chico Buarque. Aliás, pela primeira vez desde o disco Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão que o pai do jovem não participa de um disco de Marisa. Chico assume o posto de Carlinhos em cinco faixas: Calma (soul), Déjà vu (que ganha força nos arranjos de Verocai no refrão), Medo do Perigo (totalmente Tribalista), Em Qualquer Tom (uma valsa a la Tom Jobim) e Fazendo Cena (delicada e suave, poderia ter entrado tranquilamente no repertório de Moraes Moreira).
De qualquer maneira, Marisa abre diferentes portas no disco. É romântica: composta em parceria com os irmãos Silva, Totalmente Seu é uma balada guiada pelo piano que traz aquele clima de Roberto Carlos dos anos 1970. Ela é samba: Elegante Amanhecer, parceria com Pretinho da Serrinha, promove uma ode à Portela — seu pai, Carlos Monte, tem história na direção da escola. É folk na belíssima Sal, feita sob medida para o clube dos apaixonados e inseguros (“Como vai você/ Alguém que me responda por favor/ Em musicas bonitas para eu levar por onde for”). É bossa nova em Espaçonaves.
Por fim, Marisa é good vibe no samba-rock Pra Melhorar, que encerra o álbum destrancando uma porta de esperança para o futuro ("Lá vem o sol/ Para derreter as nuvens negras/ Para iluminar o fim do túnel").