Dois anos após a dissolução da Cachorro Grande, o vocalista Beto Bruno lançou, no último dia 11, seu segundo disco solo nas plataformas digitais. Em O Escudo do Arcanjo Miguel, o músico deixa de lado temas sobre a vida moderna e mergulha dentro de si em busca de equilíbrio espiritual. Como resultado, as oito faixas o expõem como um livro aberto pela primeira vez.
– A mudança foi bem grande e repentina, o que me deixou preocupado com a recepção por parte de alguns roqueiros mais ortodoxos da Cachorro Grande, mas foi muito pelo contrário. Tenho que me dar conta de que preciso escrever para o público da minha idade, e as letras sobre loucuras e excessos que eu fazia com 20 anos já não têm mais aquele apelo porque o público envelheceu comigo – reflete.
Ao contrário de Depois do Fim, de 2019, o novo disco não é uma continuação da antiga banda. A sonoridade segue característica, mas há uma presença maior da influência da MPB, que não tinha espaço no grupo de rock gaúcho inspirado em Beatles, Bob Dylan, Rolling Stones e na psicodelia sessentista.
Enquanto a criação do álbum de 2019 se deu um mês após o fim da Cachorro Grande, este foi produzido inteiramente em meio ao distanciamento social e sem estar em turnê – antes, a correria entre uma apresentação e outra obrigava Beto a escrever as letras na estrada e a chegar no estúdio já com a voz cansada. Com tranquilidade e tempo disponível, escancarou sua verdade de tal modo que sequer acredita conseguir produzir um novo trabalho tão cedo.
– Durante minha carreira musical, um disco começava a ser feito logo que terminava o anterior, mas neste caso foi muito doído tirar essas músicas de mim. Cheguei no meu limite aqui sozinho, compondo com o violão no colo. Agora eu olho para ele e falo: “Dá um tempo” – diz.
Logo que a banda de sua carreira solo se preparava para uma nova rodada de shows, a covid-19 chegou ao Brasil. Tendo o violão como seu companheiro, Beto começou a compor e, quando se deu por conta, estava em processo de esgotar uma necessidade antiga, mas que não cabia levar a público enquanto integrava a banda: falar sobre si. Esse retrato íntimo é evidenciado no título de três músicas do disco que levam o pronome “eu”: Eu Quero Ser Igual, Eu só Quero Cantar Junto no Refrão e Eu Quero Ser Normal:
– Sempre tive vontade de escrever na primeira pessoa, falar mais de mim, mas, como eram cinco integrantes na Cachorro Grande, eu nunca me senti confortável em fazer isso.
Retomada
Além das letras confessionais, o processo de gravação também é inédito: não houve ensaios. Ao invés disso, os artistas recebiam uma demo um dia antes de ir ao estúdio e chegavam lá sem ideias engessadas. Foi por meio da arte da organicidade que nasceu O Escudo do Arcanjo Miguel, produzido por Beto, Rodrigo Tavarez e pelo ex-Cachorro Grande Pedro Pelotas. A banda é formada por Eduardo Schuler (bateria), Pedro Lipatin (guitarras e vocais de apoio) e Sebastião Reis (violão e vocais), além de Tavarez (baixo) e Pelotas (piano, órgão e sintetizador).
A pandemia foi tema de uma das canções, Esse Ano não Teve Carnaval (“Esse ano não teve Carnaval/ E não tem vagas no hospital/ Quantas pessoas vão morrer?/ Quantas famílias vão sofrer?”). Apesar de sua família estar saudável, Beto comenta que a tristeza pela situação sanitária no país o acompanha, especialmente por conta das pessoas que perderam os entes queridos.
Sobre a retomada, aos poucos, dos shows presenciais no Estado, o artista garante que o progresso da vacinação contra a covid-19 é um bom termômetro para decidir quando volta aos palcos. Ainda que queira cair na estrada o quanto antes, ele é enfático: para isso ocorrer, precisa ser seguro para ele, a banda e o público.