Em 2020, Antonio Villeroy tinha uma agenda cheia. Nela, estava marcada uma turnê pela Europa que, segundo o próprio, seria a mais bem montada das 18 que já fez no continente. A pandemia, porém, fechou os portões de embarque para o artista. Os planos tiveram que ser colocados em espera. Mas a energia do músico ainda estava lá. Ele, então, decidiu redirecioná-la.
Ao olhar para si mesmo e para os artistas que estavam ao seu lado, impedidos de realizar shows, ele decidiu trabalhar para ajudar quem estava precisando. De lá para cá, encabeçou mutirões para comprar cestas básicas e fazer lives beneficentes em prol daqueles que dependem exclusivamente dos palcos para sobreviver.
— Pensei: "Eu sou um cara até que bem-aventurado, porque eu tenho os direitos autorais que seguram uma onda". Então, comecei a me preocupar em ajudar essas pessoas ao invés de ficar me lamentando — conta Villeroy a GZH.
Os direitos autorais mencionados pelo músico se referem às músicas compostas por ele e que foram gravadas por quase 130 artistas. E não apenas no Brasil, mas também em Estados Unidos, Itália, Espanha, Portugal e França. Ao redor do mundo, Villeroy espalhou a sua arte.
Nesta segunda-feira (19), o artista completa 60 anos de vida. Ele também comemora, neste ano, os 40 de carreira, iniciada quando tirou a carteirinha da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) e passou a viver de sua profissão. Outra efeméride que, coincidentemente, se dá em 2021 são os 30 anos de estreia de seu disco inicial, que levava o seu primeiro nome artístico: Totonho Villeroy.
A música do mundo
José Antônio Franco Villeroy nasceu em São Gabriel, na região da Campanha, e sempre teve a arte presente em sua casa. O pai, Gil, tocava piano e violão e gostava de ouvir os mais variados artistas e movimentos: Paixão Côrtes, João Gilberto, Tropicália, Jovem Guarda, Beatles. A Quinta Sinfonia de Beethoven estava sempre rolando. Para Totonho, como era chamado carinhosamente pelos familiares, todas essas músicas eram de sua cidade:
— Um dia, fui em uma papelaria e vi um senhor parecido com o Beethoven, cheguei em casa e disse: "Mãe, eu vi o Beethoven". Ela me respondeu: "É impossível, meu filho, ele morreu faz muito tempo". Eu achava que o Beethoven era um cara de São Gabriel. Então, para mim, a música não tinha fronteiras.
Como nunca teve filtros para gêneros, Villeroy se dedicou a fazer simplesmente "música de São Gabriel" que, para ele, é a música do mundo. Assim, jamais se filiou a apenas um estilo ou língua, compondo nos mais variados idiomas, seja inglês, francês, espanhol ou italiano, além do português, é claro.
Villeroy lembra que, quando se mudou para Porto Alegre, aos nove anos, foi para a janela do apartamento e começou a chorar de alegria. O motivo? Acreditava que, ali, estava indo para o mundo. Após 20 anos do episódio, graças ao seu talento, ele realizou seu sonho e descobriu outras cidades, Estados e países. Depois, o mundo também começou a ir até ele.
Morando no Rio de Janeiro, de 2000 a 2013, a sua casa virou um point. Pessoas de vários nacionalidades começaram a visitar o local, que se tornou referência por abrigar os famosos saraus, frequentados por nomes como Milton Nascimento, Caetano Veloso, Maria Gadú e Ana Carolina, uma de suas principais parceiras e responsável por levar a música de Villeroy para o Brasil inteiro ouvir em seu primeiro álbum — Garganta foi um dos hits nacionais do começo do milênio. Depois, diversos outros cantores, como Maria Bethânia e Ivan Lins, passaram a querer fazer músicas com o gaúcho.
— Essa história da música de São Gabriel foi um facilitador, porque eu conseguia compor e trabalhar com diversos gêneros musicais, sem qualquer preconceito e sem entrar naquela de "você é gaúcho, tem que fazer música regional". A região, para mim, é o mundo — afirma Villeroy.
O amigo imaginário
Em São Gabriel, aos cinco anos, Totonho ganhou uma calça da coleção Calhambeque, que foi lançada aproveitando o sucesso da Jovem Guarda. A vestimenta foi o auge para Villeroy. Ele, muito fã do programa televisivo apresentado por Roberto Carlos nos anos 1960, andava pelo pátio de sua casa com o seu amigo imaginário: o próprio Rei.
— Eu ficava conversando com ele: "Roberto, me apresenta para o Erasmo", "Roberto, me apresenta para a Wanderléa". E ficava pedindo para o meu amigo imaginário me apresentar todos aqueles personagens da Jovem Guarda — conta.
Décadas depois, em 2006, estava prestes a lançar um DVD, que gravou com a Orquestra de Câmara Theatro São Pedro. Ele iria assinar o contrato com uma gravadora em uma sexta-feira. Na véspera, foi convidado para ir a uma festa. Chegando lá, a primeira pessoa que viu foi justamente o seu amigo imaginário de infância. Porém, daquela vez era real.
Villeroy não perdeu tempo e contou a história da calça Calhambeque e sobre a amizade que eles tinham nos anos 1960, mesmo sem Roberto Carlos saber. A conversa durou tanto que o músico gaúcho teve que pedir para o Rei dar atenção para as outras pessoas da festa:
— Disse: "Roberto, vai lá, porque vão ficar com raiva de mim. Vão dizer que eu estou te monopolizando". Aí ele foi e disse que a gente voltaria a se falar após o jantar.
Pouco tempo depois, Roberto Carlos voltou e disse:
— Lembra que eu era o teu amigo imaginário e te apresentava pessoas? Pois é, esse cara aqui tinha uma banda lá na época da Jovem Guarda. É o Cláudio Condé. Conversa aí com ele.
Condé, na época, era o presidente da Warner Music. Roberto Carlos, encantado com a história de Villeroy, contou ao executivo sobre o lançamento do DVD, que tinha a participação de João Donato e Ana Carolina.
— O Condé me perguntou: "Tu já assinou com a gravadora?" E eu disse: "Não, vou assinar amanhã, às 16h". E ele: "Não, não, amanhã, tu vai às 13h lá na Warner, que eu quero ver isso aí" — relembra Villeroy.
O encontro rendeu uma assinatura de contrato com a Warner Music, com um lançamento mais amplo e "interessante" para Villeroy, indo além das fronteiras do Brasil. Foi naquele momento que o gabrielense também mudou o seu nome artístico, seguindo o conselho do departamento de marketing da gravadora, passando de Totonho para Antonio Villeroy.
— E, ali, aconteceu uma guinada geral na minha carreira. Até então, as minhas músicas eram conhecidas na voz de artistas do Brasil inteiro, mas eu não. Naquele momento, mudou tudo. Então, foi o meu amigo imaginário que se materializou e me ajudou com isso. Sinal dos Tempos saiu pela Warner no final de 2006. Se eu imaginava que isso tudo iria acontecer, de conhecer o Roberto e ele realmente me apresentar para alguém? Não. Mas foi um negócio que eu devo ter pensado com tanta força na minha infância que acabou acontecendo — diz o músico.
Comemorações
Com a pandemia, Villeroy decidiu utilizar o seu tempo para, além de fazer música, refletir e colocar em prática o que aprendeu na faculdade de Agronomia, que cursou na UFRGS. Em sua casa, que fica no bairro Higienópolis, ele e a esposa, Pamela Bitencourt Chaves, fizeram uma horta orgânica, onde começaram a produzir o seu próprio alimento.
No meio disso, no começo deste ano, o músico se deu conta das datas fechadas significativas que aconteceriam nos meses seguintes. E que não poderiam ser comemoradas em 2022. Assim, ele decidiu utilizar as conexões virtuais intensificadas neste período para realizar uma série de lançamentos comemorativos.
Para isso, foi revirar as suas caixas e seus arquivos. Neles, Villeroy encontrou, entre várias memórias, fitas com músicas, um disco inteiro e um videoclipe ainda inéditos. Assim, ele organizou este material e começou a lançá-lo mensalmente, desde maio. Uma celebração à sua própria trajetória. A conclusão se dará em dezembro.
O lançamento de julho acontece nesta segunda (19), em dose dupla. Às 21h, será exibido um documentário sobre a sua carreira, com a participação de 20 artistas. Meia hora depois, será lançado o show Gravidade do Amor, que foi gravado em 2016 no Sgt. Peppers, em Porto Alegre. Ambas as produções poderão ser vistas no canal pago Music Box Brazil.
E essa celebração, para o músico, é apenas uma recapitulação da primeira metade da carreira. Para Villeroy, ainda existe um longo caminho pela frente:
— Pretendo trabalhar até o final dos meus dias. Eu espero ter mais 40 anos pela frente, pelo menos. E pretendo estar sempre subindo no palco.
Com a palavra, Ana Carolina
"O Antonio Villeroy é um cara que sempre mirou a qualidade, o aprimoramento. A dedicação à música sempre foi irrestrita. Sempre tentando melhorar, se transformar, chegar em um lugar melhor com a música. Uma dedicação total, inteira para a música. Eu sempre vi, percebi, o desejo do Antonio de se comunicar através da música. E ele tem muito vigor nisso. Ele consegue se comunicar com a música dele muito facilmente. Ele toca as pessoas. E isso é uma coisa muito linda, muito bonita. Tenho muito orgulho de ter aprendido tanto com ele, em tantos momentos. E ele ter estado na minha vida, na minha carreira, em momentos tão importantes. E ter sido transformada por sua música. Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história e admiro imensamente Antonio Villeroy."