O primeiro show da Ultramen, registrado em uma fita VHS recém redescoberta pela banda, mostra os espectadores em êxtase, com muitos deles subindo no palco e se atirando para os demais os segurarem. O famoso mosh. Uma aglomeração que entrou para a história da banda. Apesar de não terem ainda um repertório grande ou conhecido, os músicos liderados por Tonho Crocco levaram o público que estava na praia de Ipanema, em Porto Alegre, em 1991, ao delírio.
Hoje, quarta-feira (9), ao iniciar as comemorações de seus 30 anos, a Ultramen mostrou que ainda têm o poder de empolgar o público. Porém, o cenário mudou. E o mundo também. A pandemia de covid-19 é o motivo. No teatro Dante Barone, na Assembleia Legislativa, a banda fez um dos primeiros shows de Porto Alegre depois do novo decreto de combate à pandemia ser publicado pela prefeitura. E o público que antes, literalmente, se amontoava, agora está limitado, sentado e distanciado.
— É diferente, tudo mudou, mas foi muito positivo. Foi o primeiro do ano, a gente estava até meio enferrujado. Mas, assim como no primeiro show, lá em 91, sentimos como se estivéssemos começando. E até é um pouco verdade. Esse é o novo normal, né? — contou Crocco a GZH.
A Ultramen, inclusive, subiu ao palco com os versos da música General ao fundo: "O ano 2000 tá aí e a morte tá na moda". Simbólico para o momento.
A volta aos palcos
Vencedora do edital especial do Sarau do Solar, promovido pela Assembleia Legislativa há 29 anos, a banda se apresentou na casa, que tem capacidade para 557 pessoas, com espaço para apenas 30% deste número — 10% abaixo do permitido pelas normas municipais. Ou seja, 160 lugares. Porém, a apresentação nem chegou perto de lotar.
As cerca de 50 pessoas que saíram de casa na noite desta quarta-feira, levando o seu agasalho como ingresso, respeitaram os protocolos exigidos pelo local, que tinha sinalização nas paredes sobre o uso obrigatório de máscaras, totens de álcool em gel e medição de temperatura na entrada.
A ressalva, porém, ficou por conta do distanciamento dos assentos, que não foi pensado para quem foi com dupla — todas as poltronas estavam separadas por outras duas, afastando até quem foi junto. Essa norma foi a única burlada pelos casais, que queriam curtir o show com os seus pares.
Um deles é formado pela psicóloga Elisa Hanke e o engenheiro Luciano Veiga, que decidiram encarar o seu primeiro espetáculo desde o começo da pandemia.
— Eu estar imunizada, por ser da área da saúde, e a questão do distanciamento empregado aqui, foram os motivos que me levaram a vir hoje. Além de ser muito fã da banda, é claro — conta a psicóloga.
Para o seu companheiro, que ainda não está vacinado, o motivo de estar na plateia do Dante Barone foram as medidas sanitárias adotadas pelo teatro.
— Vim com toda a proteção necessária. Estou me sentindo seguro, dá pra ver que estão com protocolos sendo bem aplicados aqui — disse Veiga.
O presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, o deputado Gabriel Souza (MDB), antes da banda se apresentar, ocupou o palco para discursar e dar o pontapé inicial da temporada do Sarau do Solar. Em sua fala, ele exaltou a importância do projeto e, também, ressaltou a relevância de ter a Ultramen na abertura da nova edição da iniciativa.
— Este é o ano da cultura para o legislativo gaúcho e, hoje, poder trazer o público ao teatro marca um mínimo de recomeço — apontou o deputado.
Três décadas de sucessos
A Ultramen subiu ao palco levando a nata de seus 30 anos de estrada. Todas as músicas cantadas pela potente voz de Tonho Crocco, acompanhado por uma banda entrosada e que navega facilmente entre os vários ritmos que compõem o repertório, estavam na ponta da língua do público presente — pelo menos, até onde podia se ver, uma vez que as máscaras mantiveram-se nos rostos mesmo nas horas da mais empolgada cantoria.
Dívida, Grama Verde, Santo Forte e General foram alguns dos sons que levaram os espectadores a aplaudir euforicamente e dançar, mesmo que sentados em suas poltronas — os que não aguentaram e tiveram que se levantar para se sacudir, foram para perto da porta lateral do teatro, que estava aberta para a circulação de ar.
Crocco, no palco, afirmou que diversas fitas que mostram a trajetória da Ultramen foram recuperadas pelo grupo — inclusive, aquela que mostra o primeiro show — e que serão digitalizadas e lançadas neste ano, em comemoração ao aniversário da banda.
— Trinta anos é um número cabalístico e vamos apostar em trazer ao público materiais antigos, o nosso acervo, para celebrar a nossa história. Temos que agradecer por ainda estarmos vivos, sermos relevantes e fazer parte da história de Porto Alegre. E mantendo a nossa essência — destacou o vocalista.
A experiência com público
O alto som da Ultramen, assim como o show psicodélico de luzes, tiveram que ser o suficiente para soltar a plateia. Sem venda de bebidas ou comida, para que o público não retirasse as máscaras durante a apresentação, o Dante Barone recebeu pessoas que há mais de um ano não sabiam o que era estar fisicamente em um espetáculo. E isso bastou para que elas se empolgassem.
Antônio Buaczik Júnior, mestrando, e Heloísa Robattini Zanetti, estudante, recém se recuperaram da covid-19 e este foi um dos elementos que levaram eles a terem confiança de ir ao teatro. Eles, que já estiveram em muitos shows da Ultramen, da qual são fãs declarados, afirmam que essa foi a experiência mais peculiar que tiveram com a banda.
— Foi muito diferente, porque eles nem podiam ver que a minha boca estava mexendo enquanto eu cantava. E eu só me dei conta que fazia tanto tempo que eu não ia em um show quando entrei aqui e vi eles tocando. Me despertou muitas sensações — conta Heloísa.
— Desde a primeira música, foi muito diferente da atual realidade nossa. Ver em casa não é a mesma coisa que estar vendo o artista tocar na tua frente. E imaginei que, pela banda e pelo ambiente, o lugar estaria seguro. E está — completa Antônio.
Para a diretora de Cultura da Assembleia Legislativa do Rio Grane do Sul, Mariana Abascal, o resultado do show é de se comemorar. Ela conta que a baixa procura do público aconteceu por falta de divulgação intencional do evento presencial, uma vez que os organizadores não queriam pessoas se aglomerando na entrada do teatro. O foco do marketing foi na transmissão do espetáculo que aconteceu ao vivo pelas redes sociais e pela TV Assembleia.
— A palavra para essa retomada é emoção. Ainda que restrito, é de arrepiar ouvir o público batendo palmas e dançando. O Sarau do ano passado foi todo feito aqui, mas sem plateia, com silêncio. Isso nos anima para os próximos eventos que estão por vir — enfatizou.