Veículo de transporte ideal para os donos da Casa do Cacaredo, a máquina do tempo está indisponível — e sem previsão de ser inventada. Portanto, Renato Cunha, 55 anos, e Ricieri Cunha, 33, viajam de carro ou de avião atrás dos itens vendidos na loja que se autointitula “a mais enferrujada do Brasil”.
— Nosso DeLorean é um Opala 1972 — compara Ricieri, citando o automóvel usado no filme De Volta Para o Futuro (1985) e o seu primeiro carro, mantido em casa como relíquia.
O comércio de produtos e acessórios antigos, tocado por pai e filho, ocupa dois andares de um prédio no bairro Partenon, zona leste de Porto Alegre. No piso inferior, a garagem virou depósito e expõe parte da coleção. Mas é subindo uma escada em caracol que se volta no tempo: rádios valvulados e pequenos televisores preto e branco dividem a prateleira. Convivem com relógios cuco — ironicamente, atrasados em alguns minutos. Videogames de gerações passadas foram alinhados, são cerca de 40 consoles Super Nintendo, Mega Drive, Tele Jogo e Nintendo 64. Cartuchos de Atari também são encontrados à venda.
A série de colecionáveis, recuperados pela dupla de desbravadores em sótãos e galpões que entraram em desuso, inclui uma bicicleta com motor dianteiro e até uma Harley-Davidson 125 cilindradas, modelo fabricado em 1974. Placas de carro e até de carroças, máquinas de escrever, câmeras fotográficas e filmadoras de rolo dividem a atenção dos saudosistas visitantes. O elenco da Seleção Brasileira foi escalado nas miniaturas minicraque, brinquedos distribuídos pela Coca-Cola na Copa do Mundo de 1998.
Os produtos são "caçados" pela internet, por meio de uma rede de contatos e também arrematados em leilões. Alguns lotes se tornam verdadeiros tesouros, garante a dupla. Como uma leva de calçados kichute, comprados de um estabelecimento que os tinha em estoque. Caixas repletas de telefones analógicos, com o teclado de disco, foram adquiridos em outro comércio. Os aparelhos são originais e, dependendo da compatibilidade com a linha telefônica, podem operar, segundo os administradores.
O slogan da Casa do Cacaredo, impresso nos materiais de divulgação e também em uma porta de ferro de um automóvel 1929, define bem o valor da empresa: Respeite a Ferrugem.
— Respeitar a ferrugem é dar valor a algo que está há 20, 30 anos jogado em um canto. Resgatar, dar valor àquela peça. Elas têm muita história — complementa Ricieri.
Mantido em uma cristaleira, um esqueleto humano cria um cenário semelhante ao dos filmes da assustadora Annabelle — boneca que, nos anos 1960, teria sido possuída pelo espírito de uma menina morta, história que deu origem à franquia cinematográfica de mesmo nome. A ossada, no entanto, é mais simpática, ornamentada com óculos de armação dourada e um cachimbo apoiado no crânio. Tem até nome: Zé. Foi trazido de Santa Catarina por Renato.
— O Zé veio da Suíça, nos anos 1970, quando um médico levou para o consultório. Buscamos ele no Estado vizinho, com documentação em dia. Imagina se a gente é multado, pelo Zé não usar cinto de segurança? — brinca o ex-militar e sócio do filho.
Dos cerca de 10 mil objetos, somente o esqueleto Zé e outro personagem não estão à venda: símbolo da loja, o ratinho italiano Topo Gigio ganhou espaço de veneração. Protegidos por uma vidraça, há aproximadamente uma centena de modelos, importados da Alemanha, do Japão, dos Estados Unidos, entre outros países. Rosita, namorada do roedor, integra a coleção. Todos, garante Ricieri, fazem parte de sua memória afetiva, e por isso se tornaram inegociáveis.
— Eu nasci em 1987 e peguei um pouco da época em que o Topo Gigio voltou à TV (nos anos 1990). Esse aí não tem preço — garante o fã.
O negócio que começou como um hobby é hoje o sustento da família. Boa parte dos clientes faz contato pelo instagram, que já tem mais de 30 mil seguidores. No perfil, uma foto exibe a visita ilustre recebida no mês de maio: o jogador do Inter, Gabriel Boschilia. O meia-atacante encomendou um filtro de água de porcelana e revelou ser um aficionado por resgates como os possíveis na loja.
Na manhã desta quarta-feira (9), os ouvintes da Rádio Gaúcha também visitaram o local: a viagem ao passado ocorreu em uma entrevista no programa Gaúcha Hoje.
— Bah, se puxou. Que saudades destes jogos — comentou o ouvinte Felipe da Luz.
— Que lindo! Adoro antiguidade, tenho quase a idade de tudo isso — brincou Ieda Fraga Flesch.
Além das redes sociais, o contato com os “garimpeiros” pode ser feito pelo telefone (51) 99313-0727, número que também funciona no WhatsApp. Diariamente, encomendas partem via Correios. Mas há quem visite a loja, na Rua Rafael Clarck, 567, sem preocupação com o tempo.
— É muito gratificante quando vem alguém, vê um brinquedo que às vezes foi o único que teve na infância, enche os olhos d’água e leva pra casa — afirma Riccieri.