Símbolo da música regional gaúcha, o acordeom costuma ser o instrumento central em fandangos e festivais. Mas não é só em galpões e palcos nativistas que o fole pode roncar alto. Aos 27 anos, Fernando Ávila vem ganhando reconhecimento ao aproximar a gaita da música de câmara e do ambiente acadêmico – cenários em que o instrumento circula com regularidade em muitos países, mas ainda não no Brasil.
Em 2020, Ávila viu seu trabalho de compositor ser aclamado internacionalmente. Uma de suas composições, Tango Pour Carla, foi executada no mais conceituado concurso de acordeom do mundo, o Trophée Mondial de L’Accordéon, que já conta com 70 edições. Normalmente, o festival é realizado na França, mas desta vez foi promovido em plataforma online, por conta da pandemia.
Tango Pour Carla entrou na mostra competitiva como parte do repertório do polonês Nikodem Sobek, 18 anos, que ficou em segundo lugar na categoria Junior Variété – Sobek também tocou Caribe (Michel Camilo) e Opale Concerto (Richard Galliano).
— O mais interessante não é ter alcançado a segunda colocação nem a minha alegria por Nikoden ter tocado uma peça minha. O que tiro de especial disso é o fato de um brasileiro estar no meio dos compositores executados. Não me recordo de outra composição brasileira ter sido tocada no festival — diz Ávila.
A participação de Tango Pour Carla no Trophée atesta a qualidade da composição, mas também é resultado da dedicação de seu criador em participar de festivais internacionais e manter diálogo com gaiteiros de diferentes países. Ávila conheceu Nikoden em 2018, quando participou de uma semana de estudos musicais na Bélgica. Desde então, tem mostrado ao amigo seus novos trabalhos.
Além disso, Tango Pour Carla já havia sido gravada pela acordeonista croata Martina Jembrisak, em março, com um arranjo de um minuto. O tema foi adaptado pelo próprio compositor para participar do projeto 60 Seconds of Accordion, divulgado por Martina no YouTube.
Natural de São Leopoldo, Ávila é bacharel em Música pela UFRGS. Atualmente, cursa licenciatura na mesma área pela UFSM. Ex-integrante do Quinteto Persch e do grupo Arte Gaúcha, lançou em 2017 o álbum Lua de Santiago, com composições autorais, arranjadas para quinteto de cordas e acordeom.
— Quando terminar minha licenciatura, pretendo seguir meus estudos na Europa. A ideia é ficar lá o tempo que for necessário para minha formação, mas depois voltar. Meu maior objetivo é levar o instrumento para dentro da academia. É um percurso que o violão já conquistou há muito tempo, mas o acordeom da América Latina ainda está aquém nesse sentido — projeta Ávila.
Nicho
O trabalho do músico, no entanto, vai além da academia. Em Santa Maria, ele tem cativado o público no projeto Acordeon Café, em que toca temas autorais e canções conhecidas do cinema – no verão, também tem trabalhado no Accordéon et Vin, com degustação de vinhos.
— Tenho criado um nicho próprio. Não desvalorizo a música regional. Muito pelo contrário, comecei por meio dela. Mas o modo que encontrei para me inserir no mercado é outro — afirma Ávila.
Para o músico, o acordeom tem voltado a conquistar espaço entre as novas gerações para além da música regional. Na primeira metade do século 20, o instrumento alçou grande popularidade ao redor do mundo, mas sofreu um declínio após a sucesso mundial do rock. Nos anos 1960, os instrumentos elétricos de corda, como guitarras e baixos, tornaram-se objeto de desejo e devoção entre os jovens. Enquanto isso, a gaita foi sendo enquadrada como objeto do passado ou restrita a gêneros regionais.
Ávila observa que, entre outros fatores, o cinema foi um dos propulsores do retorno do acordeom entre os ouvintes mais jovens. Em especial, o filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2002) voltou a mostrar o potencial cativante do instrumento.
— Não há um Acordeon Café em que eu não toque La Valse d’Amélie — assegura.
Para 2021, o acordeonista pretende lançar um novo álbum, que terá o nome de Solitude Gris.
— Será um disco que trata da solidão em tempos de pandemia — adianta Ávila.