Em 2020, completa 40 anos de estrada uma das duplas de maior sucesso da música gaúcha, que conseguiu unir vários gêneros no palco, mesclando o regional, o rock e até o erudito. Para celebrar essas quatro décadas de carreira dos pelotenses Kleiton & Kledir, que hoje moram no Rio de Janeiro, estava prevista uma série de eventos, como shows com a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa), apresentação em Nova York, um filme e um livro — para citar apenas alguns dos projetos. Porém, veio a pandemia que paralisou o mundo.
Entre tantos projetos adiados, um deles, emblemático, se manteve: a reedição do CD e DVD Kleiton & Kledir Ao Vivo, extraído do show gravado em 2005 no Salão de Atos da PUCRS, em Porto Alegre, com produção do renomado produtor galês Paul Ralphes, radicado no Brasil desde os anos 1990. Entre as canções do disco, que já está nas plataformas digitais (como Spotify, Deezer, Apple Music), faixas históricas como Deu Pra Ti, Tô que Tô, Paixão, Vira Virou e Corpo e Alma, que marcaram gerações de fãs gaúchos, além de Estrela Estrela e Vento Negro, com participação especial de Vitor Ramil. O show também será disponibilizado, ainda neste ano, no canal do selo Biscoito Fino no YouTube.
Analisando uma produção de 15 anos atrás, Kledir, em entrevista por e-mail, tem um olhar diferente: acha que poderia ter acontecido ainda antes.
— Nos anos 1990, durante 10 anos, ficamos recebendo convites para gravar um DVD ao vivo com os sucessos, mas fomos empurrando a ideia até 2005, porque, naquela época, queríamos gravar apenas músicas inéditas. Hoje, eu penso diferente, teria sido ótimo ter feito isso antes. Mas o que importa é que o resultado ficou ótimo e é um registro que vai ficar para sempre. E foi uma gravação com direção do Thedy Corrêa, direção do DVD do Rene Goya Filho, nossa banda, só com músicos do Sul, gravado no Salão de Atos da PUCRS. Enfim, uma produção tri gaúcha. O que nos enche de orgulho — afirma Kledir, 67 anos.
Durante a entrevista, o músico pelotense revela que, mesmo no atual período, a dupla enxerga novos dias, depois que os tempos turbulentos passarem:
— Entusiasmados com essa possibilidade de um novo tempo, Kleiton e eu fizemos uma música cheia de esperança. Estamos gravando com o (grupo) MPB4 e deve sair em vídeo, em breve.
Outra novidade para os próximos tempos da dupla é o lançamento de um disco inédito dos irmãos no país: K&K en Español, que tem a participação de Mercedes Sosa (1935–2009) e León Gieco.
Pandemia
Sobre a pandemia, o músico lamenta o cenário para os artistas e uma “situação de angústia e preocupação que esse vírus espalhou”:
— Sob o aspecto pessoal, ficar em casa, para mim, é muito tranquilo, não sou de sair mesmo. A maioria das pessoas está perturbada, “desubicada”. O pior para nós, artistas, é que nossa atividade está parada, basicamente a gente depende da rua, do teatro. E existe um enorme contingente de profissionais que trabalha nos bastidores e está sem trabalho e sem dinheiro. O bom é que, no meio dessa loucura toda que estamos vivendo, existem vários movimentos de solidariedade para ajudar quem necessita. Fico feliz com tudo isso e espero que esse espírito de amor ao próximo se mantenha no pós-pandemia. Temos que reinventar a civilização.
Já Kleiton, que faz questão de frisar a importância do distanciamento social, afirma que a dupla está usando o período para refletir e repensar planos profissionais e pessoais. Projetando os próximos passos, ele lembra que o show Kleiton & Kledir – 40 anos, que estava previsto para acontecer neste ano, deve ser adaptado para o formato online.
— Um outro pelo qual temos enorme carinho, o Letra & Música, uma oficina de criação de música popular, também deve ser adaptado para as plataformas digitais — adianta Kleiton.
K&K por eles mesmos
A consolidação e a consagração
De 1980 a 1987, Kleiton considera que a dupla viveu seu momento de consolidação, o início de tudo, sem esquecer Os Almôndegas, a banda que revelou os manos:
— Nessa fase, foram gravados cinco discos importantes. Podemos dizer que os três primeiros, lançados em 1980, 1981 e 1983 (que levam o nome da dupla e trouxeram canções que viriam a ser hinos dos irmãos, como "Nem Pensar", "Fonte da Saudade" e "Deu Pra Ti"), foram o percurso ascendente até o Disco de Ouro (pelo álbum de 1983).
Além do trabalho da dupla em discos e shows, foram fundamentais a relação com o MPB4, com Simone, com Mercedes Sosa e com Ivan Lins, entre outros grandes nomes.
— O fato de nossas músicas estarem entre as mais executadas no país, nesse período, somando nossas interpretações a esses artistas citados, tornou possível a sedimentação de Kleiton & Kledir. Até hoje, em qualquer lugar do Brasil e até no Exterior onde vamos, temos, felizmente, um enorme público fiel que nos acompanha — pontua Kleiton.
A separação
Em 1987, apesar do sucesso, a dupla deu uma pausa na parceria. Durante sete anos, Kleiton estudou em Paris e lançou trabalhos como o disco Sim (1990), e Kledir explorou sua carreira solo, lançando discos como Ao Vivo (1991). Em 1994, a dupla retomou a parceria, começando uma espécie de segunda fase.
— Apesar de termos um público cativo, foi preciso um esforço enorme para resgatar tudo o que havia sido feito antes — relembra Kleiton.
A volta
Nesse período, Kleiton destaca o álbum Dois (1997), que “relançou” a dupla, trazendo canções emblemáticas, como Guri de Salvador, sobre meninos de rua. E Kleiton lembra, já pulando para os anos 2000, na primeira metade da década, o lançamento do álbum Ao Vivo, em 2005.
— É documento histórico com imagem do nosso trabalho nos palcos — resume.
Os novos tempos
Na década passada, Kleiton & Kledir resolveram compor para crianças e lançaram o CD Par ou Ímpar (2012), no qual se uniram ao grupo pelotense Tholl, montando um espetáculo musical, teatral e circense, que teve participação especial da atriz Fabiana Karla. O show virou uma série, exibida na RBS TV no mesmo ano.
Em um trabalho inovador, a dupla lançou, em 2015, o elogiado disco Com Todas as Letras, que tinha a proposta de uma aproximação da literatura com a música popular e que trazia uma faixa inédita, Lixo e Purpurina, parceria entre os irmãos e o escritor Caio Fernando Abreu. O disco teve músicas feitas em parcerias com escritores gaúchos, como Luis Fernando Verissimo, Martha Medeiros, Fabrício Carpinejar, Daniel Galera, Paulo Scott, Lourenço Cazarré e Leticia Wierzchowski.
— Temos realizado infindos projetos, e todos são do maior valor para nós. O grande desafio para nós, e temos trabalhado muito para isso, é se adaptar à realidade no mundo da música, que mudou muito desde os anos 80 para cá. E continua mudando. Mas estamos atentos para levar nossa arte a todos — finaliza Kleiton.
Seis projetos de 2020
- Espetáculo de Kleiton & Kledir com a Ospa, que aconteceria em março. Ainda sem nova data para acontecer.
- Documentário sobre os 40 anos da dupla deve ser lançado até o fim do ano, mostrando ambos viajando de Pelotas a Porto Alegre e lembrando pessoas e lugares importantes na carreira.
- Temporada de estreia, no Theatro São Pedro, do show Kleiton & Kledir – 40 anos, que ocorreria em junho. Agora, deve acontecer em 2021. A dupla pretende fazer uma adaptação da ideia para TV e para internet.
- Em setembro, a dupla faria um show no evento Focus Brasil New York, nos Estados Unidos. Agora, a presença no evento será via internet.
- Biografia, que tinha previsão de lançamento na Feira do Livro de Porto Alegre. Como o evento será 100% online neste ano, o livro segue programado para ser lançado, mas sem data certa.
- Exposição multimídia retrospectiva, com fotos, vídeos, cartazes, capas de discos, que seria na Casa de Cultura Mario Quintana, em novembro, foi adiada, sem data definida.