Em áudio que viralizou na web em janeiro, um rapaz com o sotaque carregado da Grande Porto Alegre empolga-se ao ouvir uma canção intitulada Casinha.
— Bah, Armandinho é um terror, né, meu. Bah, eu fico no horror com esse "loco". É um poeta, né, meu. Bah, não tem quem não goste. O pinta é afudê! — descreve, prosseguindo sua fala com um aviso sobre uma ida a Tubarão (SC) com "os bruxos de Floripa" e encerrando com um apoio aleatório ao Grêmio seguido de um assobio de cobrador de ônibus.
Trata-se de uma imitação de um porto-alegrense realizada pelo catarinense Arthur Magalhães, conhecido por produzir áudios nesse estilo. De certa forma, o meme personifica o estereótipo do metropolitano com os pés no litoral. E não é impreciso sobre a relação dos gaúchos com Armandinho. Aos 50 anos, que foram completados no dia 22 de janeiro, o cantor porto-alegrense é visto com enorme afeto no Rio Grande do Sul e fora dele.
Uma amostragem disso está no Spotify: com 1, 4 milhão de ouvintes mensais, Armandinho é o quarto artista do Estado mais ouvido na plataforma na atualidade, mesmo sem lançar álbum de inéditas desde 2013 (ano passado, ele disponibilizou o ao vivo Armandinho: Acústico). O músico fica atrás apenas da eterna Elis Regina (1,8 milhão) e de Vitor Kley (4,8 mihões) e Luísa Sonza (5,9 milhões) – dois jovens artistas pop em evidência.
Armandinho completou cinco décadas impregnado no imaginário local e estabelecido como um dos músicos mais populares do Estado. Para iniciar os seus próximos 50 anos, ele está trabalhando em seu sexto disco de estúdio, previsto para ser lançado em julho. Uma parte do álbum foi gravada no Rio e a outra está sendo produzida em Los Angeles, nos EUA, de onde Armandinho atendeu a reportagem de GaúchaZH por telefone.
O cantor planeja ter uma base na cidade californiana no futuro – atualmente, vive em Itajaí (SC) e pretende manter um apartamento em Porto Alegre para ficar mais próximo de sua mãe. Em Los Angeles, o cantor conta que procura a sonoridade das músicas que escuta dos anos 1960 e 1970.
Nova era
Armandinho lançou o single Amor Vem Cá em 2019 e, em janeiro, Minha Mina – ambas com aquela combinação de reggae com pop rock solar característica de sua trajetória. Durante a gravação dos singles, ele percebeu que o melhor seria lançar um álbum que contasse uma história. Em especial, a sua: o casamento com a modelo Carla Nicolait, 23 anos, que ocorreu em 2018.
— Queria um exército de músicas juntas, que refletisse a fase que estou vivendo agora. Perto de fazer 50, casei com uma mina mais jovem. Um relacionamento um pouco difícil para a sociedade, infelizmente sob muito preconceito. Tudo isso eu precisava contar. Era muita coisa para falar apenas em singles — explica.
Armandinho ressalta que se reinventou com o novo matrimônio – de seu casamento anterior, ele tem duas filhas: Marcela, oito anos, e Antônia, 13.
— Foi uma união que me fez pensar em várias coisas: na minha alimentação, na moda, em uma nova forma de enxergar o mundo. Eu me encontrei. Aquilo que tinha tudo para dar errado deu muito certo — garante. — Família nova. 50 anos. Relação estabilizada com as minhas filhas e com a ex-esposa. É esse momento aí que estou cantando — completa.
Para as composições do novo disco, Armandinho afirma que buscou inspiração em si mesmo, referenciando sua trajetória:
— Fiquei por muito tempo escutando as músicas dos outros. Acho que agora chegou a hora de escutar a mim a mesmo.
Da gagueira para os palcos
Segundo o cantor, o projeto Armandinho e Banda completou duas décadas no final do ano: a primeira apresentação se deu no Réveillon de 2000. Antes, ele já era um nome que se apresentava no circuito de bares com música ao vivo em Porto Alegre. Mas tudo começou mesmo em seu quarto, como um jeito de superar a gagueira.
Filho de pais separados, Armandinho conta que sofreu muito com o divórcio. Era completamente gago na infância – até hoje recorre a técnicas de fonoaudiologia – e sofria bullying por isso. Tornou-se uma criança fechada e introspectiva.
— Tinha medo de tocar interfone em prédio por causa do medo de gaguejar. Eu não apertava o botão e ia embora. Tinha vergonha de falar. As pessoas gargalhavam, botavam apelido, era horrível para mim — lamenta.
Porém, o jovem tinha uma ânsia. Queria cantar isso para o mundo. Passou a se trancar no quarto e, por horas, a tocar violão. Com o tempo, o gago virou cantor.
— Percebi que quando cantava eu não gaguejava. Ali eu busquei a minha saída. Apostei todas as fichas nisso, naquilo que me deixava forte. Através da minha dificuldade e vergonha, encontrei a saída — reflete.
Da "Folha de Bananeira" para o Brasil
Ali pelo final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, Armandinho fazia o circuito de MPB da Capital em estabelecimentos como Alambique e Acústico Bar, uma cena que contava com nomes como Catuípe e Rafael Brasil. Costumava tocar covers, porém suas canções autorais é que incendiavam suas apresentações. Uma delas era a curiosa e contagiante Folha de Bananeira.
Ao assistir a uma apresentação de Armandinho, o então coordenador artístico da Rádio Atlântida, Gerson Pont, percebeu uma reação forte do público à música. Ele sugeriu ao cantor gravar a canção e levá-la à rádio.
— Esse foi o divisor de águas, foi exatamente ali. Gerson apostou na canção, lançou ali por 2001, e em 15 dias estava bombada. Em seguida apostou em Rosa Norte e também bombou. Então, acertei com a gravadora Orbeat Music — recorda.
Levando seu nome no título, o disco de estreia de Armandinho foi lançado em 2002 e emplacou nove músicas de trabalho – como Ursinho de Dormir, Balanço de Rede e Reggae das Tramanda. São faixas que fizeram da juventude gaúcha daquela época.
— Tinha mais de 30 anos na época. Foi um trabalho que ativei meu lado adolescente, peguei músicas que escrevi mais novo. É um disco fofo e divertido. Romântico sem ser piegas — descreve.
Depois do bem-sucedido Casinha (2004), com hits como Toca Uma Reguera Aí e Desenho de Deus, Armandinho explodiu nacionalmente com o disco ao vivo de 2006. No entanto, com o sucesso, veio a crise de identidade.
— Queria mostrar para o Brasil um Armandinho que eu não era. Eu raspei meu cabelo. Na época, o Jack Johnson estava fazendo muito sucesso, e a gravadora queria que eu fosse o Jack Johnson brasileiro. Eu nunca tinha tocado de bermuda, mas fiz esse show ao vivo de bermuda. Isso me deixou confuso — relata. — Nisso acabei me perdendo um pouco. Talvez o público não entendeu quem eu fosse — completa.
Nos anos posteriores, o cantor enfrentou problemas pessoais e travou uma batalha com o alcoolismo. Depois de Armandinho – Vol. 5 (2009), o disco Sol Loiro (2013) contribuiu para que ele reafirmasse a carreira de forma independente.
Neste ano, Armandinho completou cinco décadas sem as mesmas pretensões de outrora. Segundo o cantor, o objetivo agora é ser fiel a si mesmo.
— Hoje estou em um novo patamar. Não tenho o desejo de ser o famoso. Já fui, sei como é. Isso não me interessa. Quero apenas que a minha música toque as pessoas — diz o cantor.