A Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) encerra um capítulo de sua história com a devolução à prefeitura do terreno no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Parque da Harmonia) onde seria construída sua Sala Sinfônica. A obra seria viabilizada, em parte, com verba de um convênio da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul com o então Ministério da Cultura (hoje Secretaria Especial da Cultura do Ministério da Cidadania). Mas a obra não saiu da etapa das fundações, envolvida em entraves burocráticos.
Além disso, houve um momento em que a Ospa entendeu que o orçamento da Sala Sinfônica era alto demais: R$ 46 milhões, em valor de 2016 (R$ 53 milhões, se corrigido pela inflação), dos quais se dispunha de R$ 23,86 milhões (R$ 27,77 milhões, corrigido) do convênio com a União, incluída a contrapartida do governo gaúcho.
Com o fim do contrato, o governo gaúcho precisará devolver à União R$ 1,21 milhão que já haviam sido repassados.
O projeto da Sala Sinfônica no parque foi abandonado quando a Ospa — fundação vinculada ao governo do Rio Grande do Sul — obteve a cedência de um espaço de 2,5 mil metros quadrados no Centro Administrativo Fernando Ferrari. Lá inaugurou, em março de 2018, a Casa da Música, primeira sede definitiva de sua história. A sala com capacidade para 1,1 mil espectadores tem sediado os concertos oficiais da orquestra, que também tem se apresentado em outros locais, dependendo do perfil do repertório.
Ainda havia, entretanto, a ideia de construir no parque uma concha acústica, um museu e o projeto social da Escola da Música — ideias que agora também ficaram para trás. Diretor artístico da Ospa, o maestro Evandro Matté afirma que não vê "tanto problema" na ausência do projeto da concha acústica para concertos populares. Segundo ele, a cidade dispõe de uma concha na orla do Guaíba, e a orquestra tem realizado apresentações com esse perfil no Auditório Araújo Vianna e em outros espaços.
Matté se diz satisfeito com a Casa da Ospa no Centro Administrativo:
— A acústica funcionou, o tamanho está bom, o projeto é maravilhoso. Vamos agora para a terceira fase (da obra). Vamos ter sala de recitais, espaço maior para os músicos se prepararem, salas de estudo, camarins, mais conforto para o púbico. E num ponto nobre da cidade. Ficou do tamanho de que se precisava para Porto Alegre e para a Ospa.
A jornada da Ospa em busca da sede própria
2003
Reconduzido ao comando da Ospa em 2003, o cardiologista Ivo Nesralla anuncia planos para a elaboração de um novo teatro para a orquestra. Nessa época, ela ocupava, desde 1984, o antigo Teatro Leopoldina, na Avenida Independência, então chamado de Teatro da Ospa. O novo projeto significa o abandono de um outro, ainda mais antigo, que previa a construção de uma sede para a orquestra no Cais do Porto.
11 de junho de 2003
Um local para o teatro é definido: uma área então pertencente ao estacionamento do Shopping Total. É assinado o protocolo de intenções em que o shopping cede a área ao Estado.
11 de setembro de 2003
Uma solenidade oficial realizada no aniversário do atentado terrorista de 11 de setembro marca o assentamento da pedra fundamental da Sala Sinfônica. Uma caixa metálica com programas antigos da Ospa e um violino é "enterrada" simbolicamente no lugar para ser transformada em uma "cápsula do tempo".
7 de novembro de 2003
O projeto do novo teatro, assinado por Ismail Solé, é entregue ao então prefeito de Porto Alegre, João Verle. Prevê não apenas a Sala Sinfônica de formato retangular, com uma superfície construída de 8,7 mil metros quadrados e capacidade para 1,5 mil espectadores, mas também um edifício-garagem, com sete andares ao todo, dois deles subterrâneos. A previsão de construção é de um ano.
18 de outubro de 2005
A comunidade de amigos e moradores da Rua Gonçalo de Carvalho, localizada nos fundos do shopping, lança uma carta aberta e se manifesta contra a construção do edifício-garagem e à saída de veículos pela via. A partir daí, a pressão da comunidade local leva a um recuo por parte da prefeitura para a concessão da licença de construção. Embora o impacto ambiental fosse pequeno, de acordo com os próprios técnicos da prefeitura, a licença de instalação da construção não é concedida.
5 de agosto de 2006
Devido ao impasse sem solução entre a prefeitura e a associação de moradores, a Prefeitura e a Fundação Ospa deixam a área adjacente ao Shopping Total e anunciam um novo local para o empreendimento: um terreno contíguo à Câmara Municipal no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho.
Fevereiro de 2007
No dia 25, uma manifestação de moradores dos arredores e de ativistas do meio ambiente, como a Associação Amigos da Terra, cerca a área prevista com um "abraço" simbólico. É o ápice de um ciclo de novas manifestações contra a construção da obra, desta vez devido ao impacto ambiental de uma construção dessa natureza no parque. A vizinhança ameaça recorrer ao Ministério Público para travar a discussão.
11 de março de 2007
Para tentar conquistar a vizinhança do parque, a Ospa realiza um concerto aberto ao ar livre na área prevista para a Sala Sinfônica. Com regência de seu diretor artístico e maestro com fama internacional, Isaac Karabtchevsky.
Junho de 2008
Ainda sem um tijolo posto na nova sede, a Ospa deixa o teatro que ocupava desde os anos 1980 na Avenida Independência.
8 de julho de 2008
A Ospa divulga a maquete da sua nova futura sede. A parte interna, com 1,5 mil lugares, preserva as características do primeiro projeto, no Shopping Total. A área em frente ao terreno, ocupada pelo Aeromóvel, estava prevista como estacionamento. O complexo da Ospa deveria incluir ainda uma concha acústica para concertos ao ar livre, uma escola de música para crianças e a sede da Secretaria Estadual da Cultura.
27 de outubro de 2010
Diretor artístico e maestro titular da Ospa por sete anos, Isaac Karabtchevsky deixa o cargo e divulga uma incisiva carta-demissão lamentando a demora na construção da sede definitiva e dizendo-se surpreso por uma cidade ter recusado com tanto empenho um teatro sinfônico.
12 de dezembro de 2011
Finalmente a orquestra anuncia a abertura dos envelopes dos concorrentes da licitação da primeira etapa da obra.
10 de março de 2012
Um novo concerto no parque marca simultaneamente a abertura da temporada 2012 e o início das obras. A previsão de conclusão, então, era para 2014.
2013 e 2014
São concluídas as fundações, realizadas em duas etapas pelas empresas Serki (estaqueamento) e Epplan (construção dos blocos de concreto armado), ao custo, respectivamente, de R$ 2 milhões e R$ 1 milhão (antes, a Ospa já havia investido R$ 1,1 milhão no projeto executivo). A licitação da terceira fase da obra é realizada, e a construtora Cisal assume a obra em abril de 2014. A mesma empresa interrompe os trabalhos em agosto, alegando desajustes na fase das fundações. Depois do impasse com a Cisal, o governo do Estado rescinde o contrato unilateralmente e convida a segunda colocada na licitação, a Portonovo Empreendimentos & Construções, para assumir a fase da construção do prédio propriamente dito.
2016
Dois anos após a paralisação das obras da Sala Sinfônica, a área se tornou depósito de lixo, e as fundações da edificação são utilizadas como mobiliário e varal para os moradores de rua. Para que o contrato com a Portonovo seja assinado, é necessária uma suplementação de R$ 738 mil para refazer tapumes, instalações provisórias e outros itens do canteiro de obras que sofreram com a ação do tempo. O dinheiro também seria utilizado para ajustes nas fundações. A liberação dessa verba cabe à Junta de Coordenação Orçamentária e Financeira (Juncof). A Secretaria da Fazenda informa que o assunto segue em análise pela Juncof "sem uma deliberação sobre a liberação dos recursos solicitados".
Março de 2017
A Ospa inicia sua temporada em nova sala de ensaio: um espaço de 1,7 mil metros quadrados no Centro Administrativo Fernando Ferrari reformado com repasse de R$ 1,2 milhão da Procuradoria de Fundações do Ministério Público estadual (oriundo do processo de extinção de outra fundação e destinado à Fundação Pablo Komlós, vinculada à Ospa) e parcerias. Já os concertos da temporada são realizados em diferentes locais.
24 de março de 2018
A Ospa inaugura a Casa da Música, sua primeira sede própria, no espaço no Centro Administrativo onde havia instalado sua sala de ensaio. O espaço total cedido pelo governo do Estado à orquestra agora é de 2,5 mil metros quadrados, e a sala de concertos tem espaço para 1,1 mil espectadores. Embora o espaço já receba os concertos da orquestra, as obras no complexo continuam até hoje, com novas dependências e melhorias.
Setembro de 2019
A Fundação Cultural Pablo Komlós encerra o Termo de Concessão de Uso e devolve para a prefeitura de Porto Alegre o terreno no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho onde seria construída a Sala Sinfônica da Ospa. Com o fim do contrato, o governo gaúcho precisará devolver à União R$ 1,21 milhão que já haviam sido repassados