Em dezembro do ano passado, o personal stylist Li Camargo — responsável pelos figurinos de inúmeros astros do sertanejo — me mostrou o clipe de um novo cliente seu:
— Anota aí — me disse ele. — Essa música vai estourar no Brasil inteiro.
Não deu outra. A música era Jenifer, que se tornou um fenômeno no verão passado, dando projeção nacional ao seu intérprete, Gabriel Diniz.
Na manhã desta segunda (27), Li fez uma reunião por Skype com Gabriel, para decidir os figurinos de um próximo show. À tarde, a notícia da morte do cantor, em um acidente de avião em Sergipe, o deixou inconsolável.
— Gabriel já era um amigo, uma figura adorável — me contou Li por telefone. — Uma das pessoas mais cultas que eu conheci. Lia três, quatro livros ao mesmo tempo. Conseguia discutir sobre qualquer assunto.
Nascido em Campo Grande (MS) mas criado em João Pessoa (PB), Gabriel Diniz transitava com facilidade entre os gêneros musicais das duas regiões. Já era um ídolo no Nordeste quando gravou Jenifer, que o deixou conhecido em todo o Brasil. Estava na linha da frente da fusão do sertanejo com outros ritmos, do forró ao reggaeton: dessa mistura está surgindo um pop brasileiro que não é urbano nem rural, capaz de unir um país tão polarizado.
O vídeo de Jenifer também inovou ao fazer com que a sedutora personagem que dá nome à canção fosse encarnada por uma atriz gordinha, Mariana Xavier. Um feito e tanto, pois não é comum romper padrões estéticos e divertir a galera ao mesmo tempo.
Impossível ouvir a notícia da morte de Gabriel Diniz sem lembrar do adeus a Cristiano Araújo, em junho de 2015. As duas têm muito em comum: levaram precocemente, e de maneira trágica, dois rapazes que estavam em ascensão em suas carreiras. A diferença é que Gabriel já era um nome conhecido fora do nicho sertanejo: dessa vez, não teremos que discutir se ele era famoso ou não.
As mortes "na estrada", durante uma turnê, são uma ocorrência tristemente comum no meio artístico. Carlos Gardel, o maior nome do tango de todos os tempos, morreu quando seu avião caiu ao tentar pousar em Medellín, em 1935. Outro acidente aéreo matou, em 1959, três astros do rock'n'roll americano — Buddy Holly, Richie Valens e The Big Bopper — naquele que ficou conhecido como "o dia em que a música morreu". Um desastre automobilístico levou Luís Gonzaga Jr., o Gonzaguinha, em 1991.
Gabriel Diniz agora se junta a essa ilustre e triste companhia. Depois de ter feito um show em Feira de Santana (BA), ele fretou um aviãozinho em Salvador para surpreender, em Maceió (AL), a namorada Karoline Calheiros, que faz 25 anos nesta segunda (27). Já circula a notícia de que o avião alugado não tinha licença para ser usado como táxi aéreo: se confirmada, essa bagunça que é o Brasil terá feito mais algumas vítimas.
Com apenas seis álbuns lançados, o cantor e compositor tinha carisma, talento musical e faro para o sucesso. Jenifer, composta por um coletivo de compositores de Goiânia, havia sido rejeitada por Gusttavo Lima e Wesley Safadão: foi preciso que Gabriel a resgatasse, para transformá-la no maior hit do Carnaval de 2019.
Sua desaparição súbita e sem sentido, ao lado do piloto e do copiloto da aeronave onde estavam, abre uma lacuna e deixa um ponto de interrogação na música brasileira. Jamais saberemos do que mais Gabriel Diniz seria capaz.
Morreu jovem demais, mas sentiu o gosto do sucesso — se isto serve de consolo a seus parentes e fãs.