No começo dos anos 1990, Kleber Cavalcante Gomes, nome de batismo de Criolo, queria curtir um show do Racionais MC’s no Gigantinho, no Grajaú, zona sul de São Paulo, onde cresceu. Sem dinheiro, o adolescente que se tornaria na última década um dos principais nomes da música brasileira não conseguiu entrar na quadra de futebol de salão onde o grupo liderado por Mano Brown se apresentou. Escutou os versos de Capítulo 4, Versículo 3 e Diário de um Detento, do disco Sobrevivendo no Inferno, de 1997, na rua.
– Foi muito marcante. Depois, assisti a um outro show no ponto final do Grajaú, tinha um mar de gente. Lembro também de um no Vale do Anhangabaú – recorda Criolo, hoje com 42 anos, antes de dissertar sobre o significado daquelas apresentações: – Ficou a ideia de ser possível jogar ideias no mundo. Nos anos 1970 e 1980, a gente meio que tinha sido criado para baixar a cabeça e falar “senhor, obrigado por essa oportunidade aqui” e fazer de tudo para não perder um subemprego. Ali foi muito forte. Entendi que somos capazes de subir no palco, fazer algo diferente, que a vida não se resume só em baixar a cabeça para o patrão e aguentar humilhação.
Passados quase 30 anos daqueles shows, Criolo agora divide o palco com o ídolo. Ele e Mano Brown se apresentam nesta sexta-feira (10) à noite no Pepsi On Stage, em Porto Alegre, em turnê que já passou por Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro:
– É uma felicidade muito grande, e um desafio também, porque você está ao lado de um dos principais nomes da música do Brasil. Venho da zona sul de São Paulo, ele vem lá do fundão do Capão (Redondo, também zona sul da capital paulista), eu do fundão do Grajaú, os extremos das periferias. Então tem muita história. E, quando a gente sobe no palco, é uma coisa que eu nem sei te explicar. Tem sido emocionante.
O show representa o encontro de duas gerações do rap brasileiro. Enquanto os Racionais reinaram no final da década de 1990 e começo dos anos 2000 com letras contundentes, sobretudo contra a opressão aos negros que vivem nas periferias, Criolo, ao lado de Emicida, representa a consolidação do gênero no país a partir de 2010, tendo como um dos marcos o lançamento do disco Nó na Orelha, de 2011. Mano Brown discorre sobre a diferença entre os dois momentos do estilo musical:
– O Criolo é um cara totalmente pacífico, de linguagem mais leve, mais agregador. É de convívio fácil, manja de som, sabe o que quer. O som dele é pós-internet. E o meu rap é mais cortante, quem não ama odeia. Muitas das músicas que canto representam um retrato fiel da época – afirma o líder dos Racionais, que, aos 48 anos, se mostra irritado com muitos fãs do grupo. – Algumas pessoas têm saudade porque era a lembrança afetiva delas, da adolescência. Entendo que o pessoal que gosta daquelas músicas parece que quer tudo de novo, do mesmo jeito, sem mudar nada. E, para mim, isso não é tão bom, porque minha mente continua funcionando. O mundo mudou. Agora, se a sociedade está precisando ouvir aqueles raps, significa que, de alguma forma, ela regrediu. Não é bom quando músicas antigas continuam fazendo sentido. Já era para aqueles assuntos terem sido superados.
O encontro entre aquele passado, representado neste show por Brown – e que ainda diz muito sobre os dias atuais –, e o som do presente, simbolizado por Criolo, está marcado para as 23h30min. Antes, às 22h, o Rafuagi, de Esteio, se apresenta no Pepsi On Stage. Vale chegar mais cedo e escutar também o que tem a dizer o principal grupo de rap do Estado.
CRIOLO E MANO BROWN
Sexta-feira (10), às 23h30min.
Abertura: DJ Dick Jay (20h) e Rafuagi (22h).
Pepsi On Stage (Av. Severo Dullius, 1995, Anchieta), em Porto Alegre.
Classificação etária: 16 anos.
Ingressos: de R$ 40 (com doação de 1kg de alimento não perecível) a R$ 85. Ponto de venda: Pier X, no shopping Iguatemi. Online: livepass.com.br (com taxa.)