O corpo de João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes foi sepultado às 18h desta terça-feira (28) no Cemitério São Miguel e Almas, em Porto Alegre. Durante todo o dia, centenas de pessoas passaram pelo velório no Salão Negrinho do Pastoreio, no Palácio Piratini, para dar o último adeus ao folclorista.
O carro fúnebre deixou a sede do governo do estado por volta das 17h. Sob aplausos e acompanhado de cavaleiros do CTG 35 e de grupo Cavaleiros da Paz, o cortejo passou pela rua Duque de Caxias e avenidas João Pessoa, Azenha e Oscar Peira.
Um pouco antes do caixão ser colocado no túmulo, músicos que acompanhavam a celebração junto com familiares cantaram o Hino Rio-grandense.
— Só temos a agradecer pelas homenagens e o carinho. Nesse momento meu pai encerra um ciclo que faz parte da vida e que chegará para todos nós — disse o filho Carlos Côrtes.
Paixão Côrtes morreu na tarde de segunda-feira (27) no Hospital Ernesto Dorneles, aos 91 anos. Ele estava internado desde 18 de julho após fraturar o fêmur em uma queda e passar por uma cirurgia. Em situação delicada pela idade avançada, sofreu algumas complicações pós-cirúrgicas.
Símbolo do gauchismo
O folclorista, referência no estudo — e na própria formatação — da identidade do gaúcho, deixa como legado aquilo que só cabe na biografia dos mais importantes pesquisadores: sua imagem se confunde com a do objeto que ele dedicou a vida a desvendar.
Nascido em Santana do Livramento em 12 de julho de 1927, filho de pai agrônomo e mãe com dotes musicais, Paixão carregou as duas marcas na paleta: formou-se em Agronomia na UFRGS, exerceu a profissão e chegou a ser funcionário da Secretaria de Estado da Agricultura, mas nunca negou a vocação para o trabalho com a música e as danças características da região onde viveu. Em 1939, aos 12 anos, mudou-se com a família para Uruguaiana. Em meados da década de 1940, já estava instalado na Capital — onde havia estado pela primeira vez durante o centenário da Revolução Farroupilha, em 1935 — estudando em regime de internato no IPA.
Ao longo das décadas de 1940 e 50, ao lado de Lessa e do Grupo dos Oito (turma de amigos do Julinho empenhados na pesquisa da tradição gaúcha), Paixão foi o mentor de uma série de solenidades que visavam a chamar a atenção para os símbolos socioculturais do gauchismo: a Chama Crioula (criada em 1947, como uma extensão da Chama da Semana da Pátria), o Desfile dos Cavalarianos, a Ronda Crioula (que, nos anos 1960, deu origem à Semana Farroupilha), e o primeiro Centro de Tradições Gaúchas, criado em 1948 com o nome de 35, por Côrtes, Lessa, Glauco Saraiva e Hélio José Moro.
Não foi à toa que, em 1954, quando da criação da escultura do Laçador, símbolo do gaúcho, o autor Antônio Caringi bateu à porta de Paixão Côrtes em busca de um modelo para a estátua que se encontra próximo ao Aeroporto Internacional Salgado Filho. A fundação do CTG 35 acabou por inaugurar uma senda de centros de cultura semelhantes, que hoje estão espalhados por todo o mundo. Mas o trabalho de Paixão e Barbosa Lessa estava apenas começando.
Entre 1949 e 1952, a dupla estudou e catalogou mais de duas dezenas de danças praticadas no Rio Grande do Sul, para fundar, no ano seguinte, o grupo de dança Os Tropeiros da Tradição. As pesquisas também deram origem, em 1956, ao Manual de Danças Gaúchas e ao LP Danças Gaúchas, em que a cantora Inezita Barroso gravou sua voz no que é considerado o primeiro registro em fonograma do resultado das pesquisas dos folcloristas.
Patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em 2010, Paixão jamais deixou de trabalhar na pesquisa das manifestações culturais identificadas com o Estado. Em outra entrevista a ZH, concedida em 2013, revelou que seguia trabalhando na organização e sistematização da pesquisa realizada ao longo de toda sua vida, e que gostaria de publicar em uma edição única de aproximadamente 700 páginas. Paixão tinha até um título provisório para a obra, que vinha alinhavando com a ajuda do filho Carlos Paixão Côrtes: Dançando à Moda dos Antigamentes.