É com trabalho que Luiz Coronel comemora seus 80 anos neste 16 de julho. Das janelas luminosas de sua agência de publicidade, no 15º andar de um prédio comercial de Porto Alegre, o poeta contempla o passado de guri de Interior para traçar novos planos.
— Quando escrevo sobre o Rio Grande do Sul, eu me reencontro com minha infância. Nesses momentos, sou o menino que andava de trator em Piratini. Meu padrasto ia arar campo nas fazendas, e eu ficava nos galpões. Foi assim que aprendi o dialeto gaúcho, o jeito de falar, a construção das frases — recorda.
Um dos grandes letristas do regionalismo local, também autor de crônicas e livros de prosa com causos de bolicho e de galpão, Luiz Coronel tem pelo menos três grandes projetos baseados na tradição gaúcha para estrear nos próximos meses. O primeiro estava agendado para esta semana, mas foi adiado para setembro, por conta de readequação em lei de incentivo. Trata-se de um concerto com Fafá de Belém e Orquestra Unisinos que reúne os cantos de Leontina das Dores – personagem criada por Coronel e parceiros de composição para incluir em canções a identidade da mulher gaúcha. Fafá gravou os 10 cantos do espetáculo em um CD que acompanha o livro Leontina das Dores, lançado no ano passado, com mais parcerias musicais do autor.
A primeira das canções da personagem apareceu na quarta Califórnia da Canção Nativa, em 1974, interpretada pela cantora Rhosammaria.
— Sou um gaúcho do Interior, criado entre Piratini e Bagé. Homem de Bagé não come mel, mastiga abelha. Mas tive um surto feminino ao escrever a vida de uma mulher, desde o nascimento do filho até a hora em que ela se separa do marido. É o canto da libertação da mulher — afirma Coronel.
Antes de criar Leontina, Coronel já havia se consagrado na Califórnia, com a letra de Gaudêncio Sete Luas, apresentada em 1972 por Marco Aurélio Vasconcellos, Lúcia Helena e Leopoldo Rassier; e A Morte de Gaudêncio Sete Luas, vencedora do festival em 1973, com interpretação de Rhosammaria. Os versos ajudaram a trazer para o regionalismo gaúcho recursos explorados na poesia brasileira e estrangeira, das quais Coronel era leitor desde a infância. A aprovação do público e dos jurados, no entanto, não foi unânime.
“teve aplausos, mas também uma bela vaia”
— Teve aplausos, mas também teve uma bela vaia. Alguns grandes pensadores do regionalismo diziam “Se Gaudêncio vencer, eu não volto mais para a Califórnia”. Isso porque a música rompia a narrativa sequencial, assim como fez Caetano Veloso em Alegria, Alegria e Gilberto Gil em Domingo no Parque. Mas não me inspirei neles, pois tudo ocorreu na mesma época. Era uma fragmentação de imagens, que eu também não sabia que estava fazendo. Foi inconsciente — lembra o autor.
Também em setembro, deve estrear a montagem teatral A Comédia Gaúcha, que leva para o palco causos e canções de Coronel. Com direção de Claudio Levitan, o espetáculo terá participação do cantor Elton Saldanha e dos atores Fernanda Carvalho Leite e Oscar Simch.
Já o terceiro projeto em andamento ligado ao passado do Estado é a ópera-rock Revolução Farroupilha, uma História de Sangue e Metal, adaptação da obra Revolução Farroupilha, lançada em 2016, com versos de Coronel e ilustrações de Danúbio Gonçalves. Um edital público foi lançado há 10 dias pelo presidente da Câmara de Vereadores, Valter Nagelstein (MDB), para grupos e produtores interessados em adaptar a obra. O projeto contempla três apresentações na orla do Guaíba, junto à Usina do Gasômetro, e 10 sessões em escolas da rede pública municipal. Em setembro, os vencedores serão divulgados.
Para Coronel, o uso de seu livro como base para o projeto se justifica pelo fato de que é um raro exemplo de texto sobre o evento histórico composto em versos:
— Não faço uma perscrutação histórica de veracidades no livro, mas conduzo em uma narrativa os grandes mitos sobre a Revolução Farroupilha.
Gaudêncio Sete Luas
(Luiz Coronel e Marco Aurélio Vasconcellos)
Apresentada, em 1972, na 2ª Califórnia da Canção Nativa, esta tornou-se uma das músicas mais populares do letrista:
“A lua é um tiro ao alvo
e as estrelas, bala e bala.
Vem Minuano e eu me salvo
no aconchego do meu pala.
Se troveja a gritaria,
já relampeja minha adaga.
Quem não mostra valentia
já na peleia se apaga.
Marquei a paleta da noite
com o sol que é ferro em brasa.
O dia veio mugindo,
pra se banhar n’água rasa.
Pra me aquecer, mate quente;
pra me esfriar, geada fria.
Não vai ficar pra semente
quem nasceu pra ventania.”