Certa vez, os músicos da Marmota estavam prestes a tocar o standard do jazz If I Should Lose You (Leo Robin/Ralph Rainger) em um show quando perceberam que o baterista Bruno Braga não ocupava seu posto. Quando os demais integrantes começaram a ficar ansiosos, um garoto se apresentou: “Eu sei tocar essa”. Os músicos explicaram que a banda tem um arranjo próprio para a música, ao que o jovem baterista respondeu: “Eu sei o arranjo de vocês”. E assim foi.
Mesmo que singular, o episódio ilustra a projeção que a Marmota tem adquirido na cena gaúcha, merecendo a admiração de um público que não se enquadra necessariamente no estereótipo dos amantes do jazz – muitas vezes, são jovens ligados na música autoral produzida em Porto Alegre. Dois anos depois do disco de estreia, Prospecto (2015), a banda voltou ao estúdio para gravar A Margem, trabalho que tem show de lançamento nesta terça (5/12), às 21h, no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº).
Volta ao estúdio é modo de falar, pois o álbum de estreia foi todo gravado na sala de estar do pianista Leonardo Bittencourt. A Margem também foi registrado ao vivo (com alguns acréscimos de guitarra e teclado depois), mas desta vez a Marmota se entrincheirou no estúdio Audio Porto, o mesmo em que Vitor Ramil gravou seu recente Campos Neutrais. Embora o “jazz etéreo, atmosférico”, nas palavras do guitarrista Pedro Moser, ainda seja reconhecível, a banda se percebe mais preocupada com a estética musical do que com o virtuosismo técnico. Moser explica:
– Nesse disco, condensamos um pouco os solos para dar mais espaço para os arranjos. Normalmente, as músicas de jazz têm um minuto de tema e 10 minutos de solo, mas invertemos um pouco essa fórmula. A ideia foi dar espaço para a sonoridade da banda e não tanto para os músicos como solistas.
Nem todos os ouvintes perceberam ou embarcaram, mas há algum tempo a Marmota Jazz tirou o “jazz” do nome com o objetivo de se descolar das expectativas do gênero. O próprio título do álbum, A Margem, manifesta o desejo de encontrar um lugar à parte.
– É jazz no melhor sentido, das pessoas tocando juntas, se ouvindo, improvisando. Esse conceito de jazz achamos ótimo, mas não tanto aquele sentido mais clássico do swing feel – defende o contrabaixista André Mendonça, referindo-se à batida tradicional de jazz que a Marmota baniu do novo disco.
Se Prospecto contava com dois standards, A Margem é exclusivamente autoral. Assim como na estreia, o novo trabalho exibe compassos bem mais desafiadores do que o clássico 4/4. A diferença, na percepção da banda, é que essa complexidade já está internalizada: apenas ao final os músicos perceberam que haviam composto em métricas exóticas. A ideia é que a sofisticação não se traduza em uma audição difícil, pois cada vez mais a Marmota pretende conquistar ouvintes não iniciados, incentivando-os a curtir a música em vez de tentar “entendê-la”.
– Evoluímos musicalmente – atesta o baterista Bruno Braga. – Não estamos pensando tanto nas trocas de andamento, mas nas troca de clima.
Como já é característico no trabalho da banda, as músicas são entendidas como paisagens sonoras e ganham títulos de acordo com as imagens evocadas. Circling (Bittencourt) foi assim chamada por causa da melodia em looping. Aurora (Marmota) é mais solar, enquanto Hades (Braga/Bittencourt) lembra o submundo da mitologia. Mas os títulos sempre vêm depois das músicas, que durante o processo de composição ganham nomes provisórios.
– É difícil escolher título. O próprio nome da banda é meio esquisito – brinca o pianista Leonardo Bittencourt.
MARMOTA
Show de lançamento do disco A Margem
Nesta terça-feira (5/12), às 21h.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº), em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 40 (galerias), R$ 80 (camarotes) e R$ 100 (plateia e cadeira extra).
À venda na bilheteria do teatro, das 13h até a hora do show.