Milhares de pessoas de todas as idades aproveitaram o sábado (30) de tempo bom e de temperatura agradável em Porto Alegre — apesar do céu cinza — ao som de grandes nomes da música nacional e internacional, na terceira edição do Festival BB Seguridade de Blues e Jazz, realizada no Parque da Redenção. A maratona de shows, que se iniciou no final da manhã, com o grupo gaúcho Cumbuca Jazz, só terminou por volta das 19h30min, com a apresentação do maranhense Zeca Baleiro — exibindo seu lado mais bluesístico.
Depois dos gaúchos Cumbuca Jazz e Nicola Spolidoro Quarteto e do brasiliense O Bando, foi a vez de a estrela internacional do evento subir ao palco. Natural de New Orleans, uma das mecas do jazz norte-americano, o trompetista Leroy Jones — de biotipo semelhante ao seu conterrâneo Louis Armstrong, um dos ícones do estilo em todos os tempos — desfilou seu jazz clássico e elegante para algumas centenas de pessoas, no começo da tarde.
— Vocês (brasileiros) são a melhor audiência que nós (músicos) podemos ter — elogiou Jones, antes de revelar sua paixão pela tradicional caipirinha, bebida que o músico experimentou no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro, e que acabou batizando uma de suas canções instrumentais — Caipirinha da Lapa, executada em seguida.
Ao final da apresentação do americano, os gaúchos do Cumbuca Jazz passearam entre o público, executando clássicos do jazz New Orleans — conhecido pelo tom alegre e vibrante e suas linhas melódicas paralelas de pistons, trombones e clarinetas —, enquanto o palco era preparado para a apresentação do guitarrista Nuno Mindelis. O som contagiante mexeu com o pequeno Joaquim, de um ano e meio, que saiu caminhando atrás do grupo, antes de ser contido pela avó.
— Ele gosta de jazz desde pequeno — contou o pai de Joaquim, o triatleta Matheus Veiga, 22 anos. Ele dorme ouvindo jazz na rádio.
Guitarrista angolano levanta o público
Radicado no Brasil, o angolano Nuno Mindelis começou a incendiar o público por volta das 15h40min, quando subiu ao palco para uma breve passagem de som, na qual já demonstrava o vigor de sua guitarra. Durante a sua apresentação, mais e mais pessoas foram juntando-se às centenas que acompanhavam o festival desde o final da manhã e, em poucos minutos, o número de espectadores saltou para a casa dos milhares.
— Quem gosta de guitarra em Porto Alegre? — perguntou, seguidas vezes, recebendo respostas animadas da plateia.
Com uma pegada roqueira e um timbre bastante distorcido, Mindelis fez com que parte dos espectadores — até então sentados e alguns, inclusive, deitados na grama — levantassem e balançassem ao som de sua guitarra. Foi o caso do menino Iuri Prola, 12 anos. Filho de músico e nascido em Portugal, o garoto dançava sem parar.
Portador de Síndrome de Charge (doença rara, que inclui diversos problemas médicos e físicos), Iuri precisa utilizar aparelho auditivo. Mas isso não o impediu de vibrar com a música do guitarrista angolano.
— Gosto de música deste tipo — disse Iuri, ao lado da mãe, Rejane Prola, 53 anos. — Gosto de rock e de música japonesa.
Ao mesmo tempo, em outro ponto à frente do palco, o jovem Tiago Gregoletti, 19 anos, chacoalhava-se entusiasmadamente.
— Blues é o meu estilo preferido — afirmou Tiago, que trabalha em uma confeitaria.
Antes de terminar o seu show, Mindelis contou que, aos nove anos, ficava tentando imitar o lendário bluesman americano B.B. King, morto em 2015, aos 89 anos.
— Afinal, quem gosta de B.B. King aqui? — perguntou, antes de sair a passear em meio ao público ao mesmo tempo em que sorria, solava sua guitarra e posava para selfies com fãs.
Mesmo sem a chaleira, Hermeto encanta o público
Quando o multi-instrumentista alagoano Hermeto Pascoal subiu ao palco, o público já era formado por uma verdadeira multidão, à espera do "músico mais impressionante do mundo" — conforme classificou o famoso trompetista americano Miles Davis. Apesar dos 81 anos de idade, o músico nordestino esbanjou saúde, animação e bom-humor, brincando a todo momento com o público e com os membros de sua banda.
Enquanto isso, nos bastidores, instrumentistas das bandas de Leroy James e Nuno Mindelis assistiam, impressionados, ao espetáculo de musicalidade e criatividade dado pelo barbudo e octogenário, um dos maiores nomes do jazz brasileiro em todos os tempos — o baixista que acompanhou o trompetista americano não parava de sorrir, ao mesmo tempo em que filmava o velho músico alagoano.
Dono de um estilo único, Pascoal desfilou uma série de instrumentais que mesclavam elementos de DNA nacional — como forró, baião, samba e xaxado — com levadas clássicas do jazz norte-americano. E, mesmo sem utilizar a chaleira (sim, aquele recipiente usado para aquecer água) em nenhum número, o que costuma ser uma das marcas de suas apresentações, Hermeto Pascoal encantou o público na Redenção. Um dos pontos altos do show foi o solo feito por seu filho, o percussionista Fábio Pascoal, que utilizou dos porquinhos de brinquedo feitos de borracha como espécies de cuícas, puxando o riff de uma das canções, arrancando sorrisos e aplausos da multidão.
Zeca Baleiro mantém astral e termina com clássico de Raulzito
Zeca Baleiro iniciou seu show já sob a iluminação de luzes artificiais, por volta das 18h30min. Depois das arrebatadoras apresentações de Nuno Mindelis e Hermeto Pascoal, o maranhense conseguiu a proeza de manter a animação da plateia, ainda extasiada pelos extraordinários shows instrumentais que o antecederam.
Para isso, Baleiro sacou da cartola alguns clássicos da MPB (como Pérola Negra, de Luiz Melodia) e do rock nacional — como Vapor barato (O Rappa) e Proibida pra mim (Charlie Brown Jr.) —, executados em consistentes levadas blueseiras e intermeados por sucessos de sua autoria, como Heavy metal do Senhor, Quase nada e Telegrama.
Ainda houve tempo para uma homenagem a Celso Blues Boy, um dos grandes nomes do blues nacional, morto em 2012, aos 56 anos — a canção escolhida foi Por Um Monte de Cerveja, que contou com a canja do angolano Nuno Mindelis. O final foi ao som de um medley de Toca Raul, que Baleiro abriu recitando a primeira estrofe (Mal eu subo no palco / Um mala um maluco já grita de lá / - Toca raul! / A vontade que me dá é de mandar / O cara tomar naquele lugar / Mas aí eu paro penso e reflito / como é poderoso esse raulzito / Puxa vida esse cara é mesmo um mito) e Como Vovó já dizia, do próprio roqueiro baiano. Um final digno para uma tarde de música memorável.