Não há dúvida de que a Apanhador Só mudou. Na verdade, não seria uma das bandas mais cultuadas do circuito independente nacional se tivesse medo de errar. Corresponder a expectativas, sejam as próprias ou as dos outros, não é realmente o negócio do trio formado por Alexandre Kumpinski (voz, violão e guitarra), Felipe Zancanaro (guitarra, bateria, sampler e percussão) e Fernão (baixo, teclados, lira e percussão), que ganham, ao vivo, os reforços de Diego Poloni (guitarra e teclados) e Bruno Neves (bateria e percussão).
Foi assim, arriscando, que eles passaram do primeiro disco de estúdio, Apanhador Só (2010), melodioso e limpinho, para o segundo, Antes que Tu Conte Outra (2013), revoltado e distorcido. Está sendo assim também com o terceiro, Meio que Tudo É Um, que chega nesta sexta-feira (4/8) às plataformas digitais e pode ser baixado gratuitamente no site apanhadorso.com.
A versão em CD será vendida a partir do dia 14, por R$ 25 (em loja.apanhadorso.com), e o LP, em setembro, por R$ 90. Coube ao artista Daniel Eizirik a criação da capa e de um caderno de 72 páginas que acompanha o álbum virtual, o CD e o LP.
Se Antes que Tu Conte Outra apaixonava na primeira audição, Meio que Tudo É Um pede dedicação. As canções assobiáveis do anterior dão lugar a melodias sinuosas, ruídos e colagens de ambientações captadas pela banda nos últimos anos de estrada pelo país e pelo Exterior. O vocalista Alexandre Kumpinski, no entanto, discorda:
– Para mim, Antes que Tu Conte Outra é mais indigesto do que este. É mais agressivo e ruidoso, provocativo no sentido de ser difícil de ouvir. Meio que Tudo É Um é mais positivo, brincalhão, criativo. Mesmo que haja momentos bem difíceis, principalmente no início, depois dá uma arrefecida. Tem canções palatáveis, como Pelos Olhos do Mundo e Linda, Louca e Livre. Mas é um disco com possibilidades de interpretação. Vários amigos que ouviram falaram coisas bem diversas, o que acho positivo.
Entender que as coisas têm mais de um lado, e em geral mais do que dois (talvez sejam lados infinitos), é parte da experiência de Meio que Tudo É Um. O discurso da banda agora é menos revoltado e mais reflexivo. A nova postura não é uma negação do passado, mas uma "atualização", conforme Kumpinski. Fica evidente que eles estão desbravando uma trilha, embora neguem que saibam aonde querem chegar. A ideia é um passo de cada vez.
– O disco anterior firma um posicionamento, é mais baseado em uma postura mordida, calcada no que não vamos aturar. Agora estamos apontando para a construção das coisas que queremos. Às vezes, o engajamento nos cega um pouco e nos faz ver as questões de forma não tão complexa – diz o vocalista.
Embora a música popular sempre tenha sido uma referência, Meio que Tudo É Um é sem dúvida o disco mais brasileiro até agora. Tem menos guitarra e mais violão e percussão. Teia é um axé diferentão contra a ideia de ver as coisas como se fossem apenas preto e branco ("problema é quando a gente tá puxando duma corda/ do mesmo jeito de quem tá do outro lado/ puxando da mesma corda"), RJ Banco Imobiliário é uma bossa nova desconstruidona sobre as mazelas do Rio e, por extensão, do país ("buquês de fogos de artifício/ disparando um agito aflito/ num réveillon inesquecível") e Metropolitano é um sambão meio torto sobre o mal-estar na cidade ("a ideia é simples: escapar dessa fria/ de qualquer forma a gente fica pra trás/ ultrapassa e volta pro mesmo lugar"). Tudo está um pouco fora do lugar, como aliás está tudo hoje em dia. São músicas para o nosso tempo, mas sem lição de moral.
Pelos Olhos do Mundo, cuja letra inspirou o título do álbum, diagnostica certo senso de coletividade cada vez mais presente na era dos processos colaborativos, traduzido no grande número de parceiros que participaram do trabalho (uma das canções tem sete compositores e outra tem seis). Diz a música: "o mundo se vê/ através dos meus olhos/ que não são meus/ eu vejo o mundo/ pelos olhos do mundo/ meio que tudo é tudo/ meio que tudo é um". O espaço da voz também está mais compartilhado entre o trio. Fernão assume o canto em Sopro, e Felipe Zancanaro, em Isabel Chove e Metropolitano. Participam do álbum Dolores Aguirre e Julia Ortiz (da banda Perotá Chingó), Luiz Gabriel Lopes e Thiago Ramil. A produção e a mixagem são da Apanhador e de Diego Poloni.
Financiado com a venda de um carro comprado por meio de um financiamento coletivo e utilizado em uma turnê por salas de estar de casas pelo Brasil, Meio que Tudo É Um aprimora, por assim dizer, a "estética tosca" da Apanhador, que emprega tecnologias menos avançadas de gravação como recurso poético-musical. A banda submeteu o disco a um processo de "desmixagem" para tornar o resultado mais próximo do clima da casa de madeira antiga em Osório (RS) onde foi gravado. O resultado, na verdade, é extremamente sofisticado.
Entre as colagens presentes nas faixas, segundo a ficha técnica, estão "molho de tomate da Bel fervendo por horas no apartamento da Azenha", "chuva na praia de Tramandaí" e "locução usada em carros que circulam pelas ruas da Cidade do México procurando ferro velho pra comprar". Agora o problema é tocar tudo isso ao vivo – o disco será lançado em Porto Alegre em shows nos dias 19 e 20 de agosto no Theatro São Pedro.
A banda vai procurar emular os sons com instrumentos musicais, mas o que não for possível será reproduzido com equipamentos de música eletrônica mesmo. Outra novidade será a utilização de duas baterias espelhadas para Bruno Neves e Felipe Zancanaro. Sim, a Apanhador Só está sempre inventando moda, mas Kumpinski tem convicção de que os fãs estão dispostos ao novo:
– Saber que o público quer ser surpreendido é uma das coisas que nos faz sentir livres para experimentar. Ninguém espera que a gente vá entregar mais do mesmo por comodismo.
MEIO QUE TUDO É UM
De Apanhador Só
Independente, 15 faixas, disponível a partir desta sexta-feira (4/8) nas plataformas digitais. Download gratuito no site apanhadorso.com.
SHOWS DE LANÇAMENTO
Dias 19 de agosto, às 21h, e 20 de agosto, às 18h.
Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/n°), fone (51) 3227-5100, em Porto Alegre.
Ingressos: R$ 50 (galeria), R$ 70 (camarotes central e lateral) e R$ 90 (plateia e cadeiras extras).
Ponto de venda sem taxa: bilheteria do teatro, de segunda a sexta, das 13h às 18h30 ou até o horário de início do espetáculo, e sábados e domingos, das 15h até o horário de início do espetáculo.
Ponto de venda com taxa: site vendas.teatrosaopedro.com.br.
SHOWS EM OUTRAS CIDADES
- 16 e 17/8: Casa de Cultura Laura Alvim (RJ)
- 25/8: Teatro Paulo Autran/Sesc Pinheiros (SP)
- 16/9: Teatro Bradesco (BH)
Ouça os primeiros singles do novo álbum: