Este 2017 é muito simbólico para Milton Nascimento. O cantor e compositor carioca criado em Minas Gerais celebra os 50 anos de seu primeiro disco, o que traz a clássica Travessia, comemora 75 anos de vida (em 26 de outubro) e volta aos palcos. "Eu já estou com o pé nessa estrada / Qualquer dia a gente se vê”, canta Milton em Nada Será como Antes, canção que, desde março, representa o fim do exílio voluntário para cuidar da saúde e da cabeça. Desde 2014, o artista foi diminuindo o ritmo das apresentações até a parada total por pouco mais de um ano, cumprida no sossego que encontrou em Juiz de Fora, interior mineiro. Para o retorno, Milton preparou o espetáculo Semente da Terra, referência ao nome de batismo Guarani-Kaiowá (Ava Nheyeyru Iyi Yvy Renhoi) que recebeu de lideranças espirituais dessa etnia, em razão de seu engajamento em questões como preservação ambiental e demarcação de terras indígenas.
No repertório do show, estão faixas que representam diferentes fases da carreira de Milton, destacando as que iluminam temas políticos e sociais. Wilson Lopes (violão), Beto Lopes (violão sete cordas), Lincoln Cheib (bateria), Alexandre Ito (baixo), Kiko Continentino (piano), Widor Santiago (sopros) e Barbara Barcellos (vocal) são seus companheiros no palco. Na entrevista que concedeu por e-mail a ZH, Milton fala sobre esse novo momento em sua vida.
Entrevista Milton Nascimento
Você está retomando a carreira após uma pausa nos trabalhos e a mudança para Juiz de Fora. Que balanço faz desse período e de que forma ele deve se refletir na sua trajetória?
O primeiro motivo da minha mudança para Juiz de Fora foi meu filho, Augusto Kesrouani, que estudava na cidade. Quando chegou perto dele terminar a faculdade de Direito, decidi deixar o Rio para morar com ele. Estou aqui desde o ano passado, e ainda pretendo ficar por muito tempo.
Como tem sido sua rotina no interior de Minas Gerais?
Continuo fazendo as mesmas coisas que fazia no Rio, mas só que agora com mais tranquilidade. Ouço música, vejo TV, recebo meus amigos... Não tem mais aquela correria de antes, anda tudo mais calmo.
Você compôs músicas novas nesse período? Quando pretende gravá-las?
Minha ida para Juiz de Fora culminou não só na minha volta aos palcos, como também na retomada das composições. Este ano ainda pretendo começar um novo projeto. Logo mais vocês vão ficar sabendo.
O show Sementes da Terra destaca canções relacionadas a questões indígenas, raciais e sociais. São temas que você canta há muitas décadas e que seguem urgentes no Brasil. Que reflexão você faz do país nesse momento tão conturbado? Tem esperança de que dias melhores estejam por vir?
Olha, do jeito que as coisas estão, ninguém tem certeza de mais nada. Mas a esperança nunca morre.
Como foi a escolha do repertório do espetáculo?
Foi um conjunto de coisas onde todos em minha volta participaram. Meu filho, Augusto, que também é meu empresário, reuniu-se com o Danilo Japa Nuha (diretor artístico) e com o Wilson Lopes (diretor musical e cordas) e fizeram uma primeira lista. Depois nós fomos acertando junto com os demais integrantes da banda até chegar ao set list que temos hoje.
O nome do show faz referência a sua ligação com os índios guaranis de Mato Grosso do Sul. Como você avalia a questão da demarcação das terras indígenas no Brasil, em meio a episódios rotineiros de violência e descaso político e social?
Este é um assunto extremamente difícil. Por isso é necessário recorrer a documentos oficiais, e a nossa base é o filme Martírio (documentário de Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita, já exibido na Capital) e o livro Os Fuzis e as Flechas (de Rubens Valente), ambos sobre a saga dos índios Guarani-Kaiowá. A situação atual está toda nessas fontes.
O meio ambiente é outra causa que você abraça. Tem em vista mais iniciativas como o Tamarear, projeto musical que resultou em CD e DVD?
Uma das coisas mais felizes da minha vida foi esse projeto ao lado do Tamar (ação conservacionista voltada às tartarugas-marinhas). Dudu Lima Trio e eu fizemos uma turnê que passou por todas as sedes do Tamar no Brasil. Foi uma experiência única e que culminou no disco Tamarear. O fundador do projeto, Guy Marcovaldi, é uma das pessoas que mais lutam pelo meio ambiente no Brasil. Trabalhar ao lado de tantos ambientalistas com referência mundial foi inesquecível.
Você teve presença destacada no processo de redemocratização do Brasil a partir da campanha Diretas Já. Como vê a mobilização dos artistas nesse atual momento do país? Segue acreditando que "todo artista tem de ir aonde o povo está”, como canta em Nos Bailes da Vida?
O artista tem que ir aonde o povo está, sempre! Fernando Brant (autor da letra da canção) nos deixou mais esse ensinamento como legado. E cada um fazendo a sua parte, a gente consegue.
Em 2017 completam-se 50 anos de Travessia, composição sua e de Fernando Brant que ganhou o 2º Festival Internacional da Canção, no Rio, e está em seu primeiro disco. Haverá algum projeto comemorativo?
O show Semente da Terra também faz parte das comemorações de 50 anos de Travessia. Quem for ao show vai vivenciar isso.
Em 1966 você participou da eliminatória em Porto Alegre do Festival da TV Excelsior, com a canção Cidade Vazia, de Baden Powell e Lula Freire. Que lembrança guarda dessa que foi, provavelmente, sua primeira apresentação na cidade?
Com certeza foi minha primeira vez em Porto Alegre, inclusive pouquíssimas pessoas sabem disso. E foi uma coisa única, muito forte mesmo. A partir daquele momento, Porto Alegre passou a fazer parte da minha vida para sempre. Lembro até hoje de quando estava aí disputando a eliminatória para o festival e recebi a notícia que tinha passado para a fase seguinte. É uma cidade que tem grande importância na minha vida.
Fale sobre seus dois principais parceiros, Fernando Brant e Ronaldo Bastos.
Dois gênios. Imagine como seria o mundo de hoje com mais um milhão deles por aí? Fernando Brant e Ronaldo Bastos, heróis do Brasil.
Qual foi a importância de Elis Regina em sua carreira?
Total. Importância máxima na minha vida. E eu nunca me canso de dizer que Elis Regina foi o grande amor da minha vida. E todas as canções que eu fiz e faço até hoje são pra ela.
Considerando o mercado musical de hoje, acha que artistas como você, Tom Jobim, Chico, Caetano, Gil, Paulinho da Viola, Elis, Nara Leão e outros tantos teriam chance de construir as carreiras que construíram?
Todo mundo teria como se destacar até em Marte, na Lua, em Júpiter, no Brasil, nos EUA, no Japão... Em qualquer época, em qualquer tempo.
Sua obra é constantemente revisitada por outros artistas, como recentemente no disco instrumental A Casa de Bituca, do Hamilton de Holanda? O que achou do resultado?
Sou fã do Hamilton de Holanda Quinteto há muitos anos. Além da amizade, tivemos a chance de tocar juntos em várias ocasiões. E a cada vez que pisávamos num palco aumentava ainda mais minha admiração. O nível deles não é para qualquer um, é uma coisa magnífica. Não é à toa o reconhecimento que o Hamilton tem no mundo. Um dia ele está com o baixista do Led Zeppelin, no outro com a família Marsalis, no outro com o Dave Matthews... É um fenômeno. Quando soube que ele faria um disco com minhas músicas, fiquei sem palavras. Foi um dos grandes presentes que recebi na vida.
Bituca animado
Em setembro, será lançado no YouTube e em DVD o videoclipe animado Trem das Estações do Mundo Bita, projeto para o público infantil no qual Milton Nascimento será representado pelo personagem Bituca,seu apelido.
A iniciativa integra o projeto Mundo Bita, conhecido dos espectadores dos canais Discovery Kids, TV Brasil Netflix e do Youtube. Na aventura, Bituca e o protagonista da série, o bigodudo Bita, viajam em uma locomotiva pelas quatro estações do ano. Milton também canta a música tema do projeto.
MILTON NASCIMENTO - SEMENTE DA TERRA
Sexta-feira, às 21h.
Classificação: livre.
Duração: 90minutos.
Auditório Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685).
Ingressos: restam entradas para plateia alta lateral (R$ 100) e plateia baixa lateral (R$ 140). Sócios do Clube do Assinante têm 50% de desconto nos cem primeiros ingressos e 10% de desconto nos demais.
Pontos de venda sem taxas: Bilheteria do Teatro do Bourbon Country (Av. Túlio de Rose, nº 80 / 2º andar, das 10h às 22h) e na bilheteria do Araújo Vianna (Av. Osvaldo Aranha, 685) a partir das 14h.
Pontos de venda com taxa: site: ingressorapido.com.br e call center: 4003-1212. Veja mais informações no roteiro da página 8.