Gaúcho da Fronteira não estava apenas resfriado. Tinha uma pneumonia. Segurando uma cuia de chimarrão em uma das mãos e o telefone celular na outra, respondeu que não, não poderia receber a reportagem naquela semana. Acabara de chegar de um show no Pará e precisava descansar para pegar a estrada de novo dali a três dias, desta vez rumo a Curitiba.
– Se a doutora me liberar – ressalva, com a voz sumindo.
A médica não recomendou, mas Gaúcho não faltou ao compromisso no Paraná naquele início de maio. Há mais de 40 anos é assim. São poucos os finais de semana em que não agarra sua gaita-ponto e abre o peito para gargalhar com malícia e cantar letras de duplo sentido diante do público.
A distância das redes nacionais de televisão, que costumava frequentar no início dos anos 1990, faz muitos pensarem que a carreira do cantor teria se encerrado depois de sucessos como Nheco Vari Nheco Fum, Vaneirão Sambado e Herdeiro da Pampa Pobre. Basta tentar marcar um compromisso com o músico para entender que não é assim. Nesta sexta-feira, o gaiteiro completa seu 70º aniversário, efeméride que motivou ZH a encontrá-lo algumas vezes para compor esta reportagem.
Além de ter a agenda apertada, é praticamente impossível conversar com Gaúcho da Fronteira em público. No final de maio, o músico tinha um show marcado em um clube no bairro Partenon, em Porto Alegre. Estávamos em uma matinê da terceira idade, mas a euforia das fãs era semelhante à de adolescentes em torno de um ídolo teen. Ao entrar no salão, o músico foi imediatamente cercado por dezenas de senhoras na casa dos 70 e 80 anos de idade, que disputavam lugar ao lado dele, quanto mais perto melhor, e exibiam destreza para segurar o celular e tirar selfies com ele.
– Conheci o Gaúcho na TV. Desde então acompanho a carreira dele. Ele é diferente. Tem esse jeito bem disposto, alegre – diz a fã Maria de Moraes Ávila, que comemorava seu aniversário de 76 anos ao lado do ídolo.
Depois de alcançar sucesso nacional, com presença constante em programas de grande audiência, como o Xou da Xuxa, Gaúcho da Fronteira foi alçado ao posto de músico regionalista gaúcho vivo mais conhecido e vendido no Brasil – legítimo herdeiro de Pedro Raymundo, Gildo de Freitas e Teixeirinha, em menos de um ano alcançou a marca de 500 mil discos comercializados, sendo o primeiro nativista a ter seu trabalho lançado em CD. Atualmente, está longe da parada de sucessos e toca seguidamente para públicos com poucas centenas de pessoas – foram 260 no baile veterano citado há pouco. Mas não se trata de um artista apegado à grande exposição que teve no passado. Ao contrário, demonstra plena satisfação ao retirar a camisa encharcada de suor após o show e cobrir-se com um vistoso pala:
– Quando comecei minha carreira, achei que poderia fazer o que faço hoje. Agora que vivo essa realidade é simplesmente maravilhoso.
Chegar aqui não foi fácil. Do interior de Tranqueras, no Uruguai, passando por Santana do Livramento e a capital gaúcha, Gaúcho da Fronteira abriu porteiras para a música regional com muito trabalho. Além de talento e carisma, essa trajetória foi composta por coragem para superar tabus e habilidade para criar pontes entre diferentes culturas, vertentes e ritmos musicais.
Foi em 1975 que Heber Artigas Armua Frós – sim, é esse o nome de batismo – gravou seu primeiro disco como Gaúcho da Fronteira. Taxista em Santana do Livramento, chegou confuso ao centro de Porto Alegre em busca do compositor Leonardo, autor do clássico Céu, Sol, Sul, Terra e Cor. Leonardo estava trabalhando como produtor no selo Beverly, da gravadora paulista Copacabana, e já tinha convidado Gaúcho para uma visita. Ao chegar ao escritório, localizado em um andar alto em frente à Praça Dom Feliciano, anunciou:
– Vim aqui porque quero gravar meu disco.
– Muito bem – Leonardo respondeu. – Mas cadê teu conjunto?
A pergunta fazia sentido. Na última vez em que se encontraram, Gaúcho da Fronteira era ainda um dos componentes do grupo Os Vaqueanos, grupo de Livramento que também contava com Adair de Freitas e Nelson Cardoso.
– Quero gravar individualmente – disse o visitante.
– Mas tu tens repertório? – espantou-se o produtor.
– Sim.
– E trouxe uma fita para eu analisar?
– Não – respondeu Gaúcho, que, confiante, arrematou: – Trouxe a goela e o violão.
Sob o olhar desconfiado de Leonardo, abriu o peito e cantou. Foi o suficiente para dissipar qualquer dúvida do produtor de que era preciso registrar o que ouvia.
– Vamos descer agora mesmo para o estúdio e gravar – sentenciou Leonardo.
Mais tarde, em 1989, no auge da fama, Gaúcho da Fronteira explicaria em uma entrevista porque seu trabalho causava reações como aquela:
– Acontece que a minha música chega direto ao ouvido, é uma coisa imediata.
Em seu raciocínio, havia uma diferença na comparação com a maior parte dos nativistas da época, cuja música, seguiu, "tens que ficar esperando, estudando, analisando a letra, para depois valorizar".
– Gaúcho da Fronteira tocou muito tempo em bocadas no Uruguai e em Livramento. Quando veio para Porto Alegre, se sobressaiu com suas músicas de duplo sentido e com esse carisma talhado nos bailões – afirma o produtor Sady Soares, que já assinou trabalhos de Os Serranos, Os Monarcas, Os Fagundes e José Mendes Jr.
O pequeno Heber Artigas começou a frequentar as bocadas desde cedo. Na infância, ainda no distrito uruguaio de Laureles, perto de onde nasceu e precisamente viveu seus primeiros anos de vida, acompanhava os pais a todos os bailes. Todos já sabiam qual era seu lugar preferido: na primeira cadeira em frente aos músicos.
– Ali eu ficava até cochilar. E ai de alguém que fosse me tirar dali. Eu não saía de jeito nenhum. Se vinha minha mãe ou meu pai me tirar, eu dava uns tapas meio dormindo e não saía – relembra o músico.
O fascínio do menino pelos conjuntos foi levado em conta pelos pais quando um parente falou que tinha uma gaita para vender. Fizeram negócio. Nas mãos de Heber, em pouco tempo o instrumento começou a ecoar melodias e ritmos impecáveis. Ele tinha apenas sete anos e nenhum professor de música por perto. Como aprendeu?
– Aprendi porque Deus é grande – responde hoje, sem hesitar.
Os pais do jovem tinham um pedaço de campo onde trabalhavam com pecuária. Não eram músicos, mas serviram de inspiração para o futuro compositor. A mãe de Heber é, na verdade, uma das referências mais citadas quando fala de seu trabalho. A uruguaia Brígida Armua carregava o nome artístico de Calandria Gaucha: era poeta (muitos de seus textos seriam musicados pelo filho) e participava de programas de rádio e televisão.
– Ela tinha o mesmo senso de humor do Gaúcho. É uma herança dela grande parte desse jeito dele se apresentar e viver – avalia a produtora Vergínia Guimarães, que trabalhou por 26 anos com Gaúcho.
A mãe era uruguaia, mas o pai, Santo Conceição Frós, era brasileiro. E foi para o Brasil, em Santana do Livramento, que Heber se mudou para frequentar a escola. Trabalhou em uma carpintaria e foi motorista de caminhão e táxi. A primeira apresentação musical se deu aos 16 anos, em Rivera, em um show beneficente, dedicado a um milico que ficara cego em um acidente. Foi por essa época que escreveu seus primeiros versos e que assumiu o nome de Gaúcho da Fronteira.
– Eu tocava gaita, bandoneom e violão, um pouco de cada coisa. Cantava as músicas do José Mendes e do Gildo de Freitas, mas as que eu mais cantava eram as do Teixeirinha. Eu era fã do homem, e meu timbre era parecido com o dele. Um dia, um radialista começou a me chamar de Teixeirinha da Fronteira. Foi a partir daí que adotei Gaúcho da Fronteira – conta o músico.
Entre corridas de táxi e caminhão, em 1968, Gaúcho da Fronteira passou a se apresentar com Os Vaqueanos. Até gravaram um compacto, mas o resultado foi um desastre. O registro se deu em Montevidéu, onde tinham amigos e parentes, e alugaram um estúdio para a gravação, mas não souberam lidar com os equipamentos da sala. Ao final, não dava para ouvir direito nada do que foi gravado. A bolachinha ficou conhecida entre os mais chegados como "o disco dos murmúrios".
O primeiro LP solo, produzido por Leonardo e lançado em 1976, tinha muito mais que murmúrios, mas mesmo assim não alcançou grande repercussão. Foi só em 1978, com mudança para a Capital, que as coisas começaram a melhorar. Criado nas amplidões do pampa, Gaúcho mudou-se com a mulher e os dois filhos para um pequeno apartamento em Porto Alegre. Assim ficou mais próximo das grandes rádios e dos escritórios de músicos regionais. Para sustentar a casa, era cantor na Churrascaria Gauchão, na Estação Rodoviária. Em uma viagem para o Litoral, compôs o primeiro sucesso, Praia Gaúcha, com os versos "Em Capão da Canoa/ E lá em Tramandaí/ É bom de tomar banho/ com a prenda e os guri". A faixa saiu no disco Mensagem do Sul (1978), que também tinha A Utilidade de Dedo, na qual refletia: "Sei até que certa gente/ Já pensa em maldade/ Só porque eu falo do dedo/ E da sua utilidade/ Mas quem pensa e analisa/ Vai ver que é uma realidade/ Se a gente tá no escuro/ Em qualquer dificuldade/ Primeiro se leva o dedo/ Pra procurar claridade".
As duas faixas caíram no gosto popular, mas também trouxeram problemas para o compositor. O primeiro deles foi com a censura. Foi preciso encurtar o título A Utilidade de Dedo para O Dedo para que a faixa fosse liberada. Mais tarde, em 1984, passou pela mesma situação com Pensando Naquilo, que teve o nome trocado para Sonhando com Ela ("Já não aguento mais/ Não durmo tranquilo/ Sonhando com ela/ E pensando naquilo)".
Já a segunda resistência foi dos setores mais conservadores do movimento tradicionalista, que mais tarde voltariam a criticar o artista por mesclar música regional gaúcha com outros gêneros musicais. Nesse primeiro momento, a desaprovação foi por conta dos duplos sentidos e da superficialidade das letras. Em uma Califórnia da Canção Nativista, um dos participantes quis barrar a entrada de A Utilidade do Dedo, mas a música foi tocada com apoio dos organizadores.
Dali alguns anos, Gaúcho da Fronteira viveria a mesma situação, mas desta vez por ser politizado demais. Nas eleições de 1989, a faixa Éramos Felizes e Não Sabíamos se tornou sucesso ao criticar o então candidato a presidente Fernando Collor de Mello. "Essa vidinha tão boa/ Agora vai terminar/ Porque tá chegando o homem/ Caçador de marajás", dizia a letra. O músico participava de showmícios do paranaense José Eduardo Vieira, candidato ao Senado pelo PTB. Em uma das cidades pelas quais a campanha passou, o prefeito, aliado a Collor, ameaçou barrar o show caso a música estivesse no repertório. José Eduardo ficou do lado do gaiteiro, e a apresentação aconteceu com uma empolgada interpretação da polêmica composição.
O envolvimento com a política fez até Gaúcho candidatar-se a um cargo público.
– Uma vez Brizola me disse que eu precisava entrar na política. Fiquei com aquilo na cabeça, mas só depois me decidi – lembra o compositor.
Foram duas candidaturas frustradas a deputado estadual, uma pelo PTB, em 2010, outra pelo PSDB, em 2014. A primeira arrecadou 13.667 votos, e a segunda, 10.581.
– Vai ver os eleitores estão felizes com esses políticos que estão aí – afirma, dando de ombros e mudando de assunto.
Longe das urnas no final dos anos 1980, a carreira de Gaúcho da Fronteira alcançava enorme aprovação popular, e ele se enturmava com os músicos regionais. Semanalmente, encontrava em um bar da Rua dos Andradas nomes como Teixeirinha, José Mendes, Sidney Lima, Crioulo dos Pampas e Os Mirins, além de artistas de circo que vinham divulgar suas temporadas. Dali, subia até a Avenida Salgado Filho, onde tomava o ônibus Linha 95, em direção à Rádio Farroupilha, para tocar sua gaita no Grande Rodeio Coringa, histórico programa naquele momento apresentado por Darcy Fagundes e Luís Menezes.
– Cresci com meus tios Darcy e Nico exaltando o Gaúcho da Fronteira. Para mim, ele é um integrante da nossa família – diz o músico e apresentador de TV Neto Fagundes.
Enquanto isso, em São Paulo, os diretores André Midani e Roberto de Oliveira trabalhavam em um projeto que mudaria a vida de Gaúcho, embora ele nem imaginasse isso. A dupla montava para gravadora Warner o selo Rodeio, investindo em novos talentos da música regionalista de diferentes partes do país. Responsável pela contratação dos artistas, a produtora Vergínia Guimarães foi em busca de novidades do Sul. Foi nesse momento que o músico Dino Franco entregou a ela uma fita cassete:
– Escuta isso. São coisas que amigos do Sul mandaram. Tem uma coisa meio estranha aí no meio, mas acho que você vai gostar.
Era a música Nheco Vari Nheco Fum.
– Ouvi aquilo e falei: "Vamos gravar amanhã!". Liguei para o Dino e disse para trazer o Gaúcho da Fronteira no dia seguinte – conta Vergínia. – A gaita é o instrumento que mais fala com a emoção do ser humano. Ouvi o toque dele e a brincadeira que fazia com a voz e falei: "Isso vai pegar".
Pegou. A canção foi o primeiro sucesso nacional de Gaúcho da Fronteira. Nheco Vari Nheco Fum foi composta como uma homenagem ao grupo Os Três Xirus, da música Na Base do Varifum, e Os Araganos, da faixa Nheco-Nheco. Humberto Gessinger, líder d’Os Engenheiros do Hawaii, banda que gravou O Herdeiro da Pampa Pobre (parceria de Gaúcho e Vaine Darde) em 1991, conta que gostaria de ter registrado a sua versão da faixa.
– Me sinto mais à vontade cantando o que escrevo. As poucas regravações que fiz são canções que eu curto e sei que não conseguiria escrever. Num mundo ideal, eu teria gravado algo como Nheco Vari Nheco Fum, com sua onomatopeia maluca – comenta Gessinger. – Mas, na vida real, ela fica muito distante do que eu consigo fazer. Gaúcho da Fronteira tem um lance performático, de entretainer que transcende a música e é muito difícil reproduzir. Herdeiro da Pampa Pobre estava a uma distância mais compreensível para mim.
Com um disco lançado por uma gravadora multinacional, Meu Rastro, em 1980, as portas se abriram com mais facilidade, e o artista sedimentou sua carreira em várias regiões do Brasil. Mas uma virada ainda maior estava por vir em 1988, com o álbum Gaiteiro, China e Cordeona, que tinha a música que fortaleceria a fama de Gaúcho no Rio de Janeiro, dando visibilidade ao músico em programas de grande audiência da TV Globo. Era nada menos que um samba, ou melhor, um Vaneirão Sambado, para o desespero dos amigos do gaiteiro.
– Quando mostrei a música para o Edson Dutra, d’Os Serranos, ele botou as mãos na cabeça. "Meu Deus, o Gaúcho agora foi gravar um samba! O que deu naquele gaúcho doble chapa que conhecíamos?". O Edson ficou preocupado, porque aquilo poderia ser mal compreendido entre os tradicionalistas – lembra Sady Soares.
E foi mal compreendido mesmo.
– Lembro que houve celeuma, mas fiquei do lado do Gaúcho, porque a mistura de ritmos que ele fazia sempre foi de bom gosto – diz Edson Dutra.
Pela ousadia de gravar um samba, Gaúcho da Fronteira foi punido por muitos CTGs, que não aceitavam mais receber seus shows. Sendo centros que zelam pela tradição gaúcha, alguns não sabiam lidar com a novidade de mesclar o vaneirão com o samba carioca. Para piorar a situação, o mesmo disco contava com a faixa Rock Bagual, sobre uma menina que costumava frequentar bailes de fronteira, mas "se perdeu por aí/ dentro duma calça Lee/ sempre mascando chiclete". Misturar a música regionalista do Sul com o samba já era uma ousadia; com o rock, moderno e estrangeiro, era inadmissível.
Já no centro do país, Gaúcho da Fronteira nunca havia sido tão celebrado. Com aparições no Xou da Xuxa e em outros programas de TV, passou a circular também por Norte e Nordeste. Nas lojas, Gaiteiro, China e Cordeona se tornava um sucesso de vendas, reforçado com o lançamento da coletânea O Melhor de Gaúcho da Fronteira, pela Som Livre. Juntos, os dois álbuns venderam 500 mil cópias em 1989. A seleta da Som Livre foi o primeiro disco regionalista do país a ser lançado também em CD, quando os disquinhos, hoje quase obsoletos, eram ainda a mídia musical do futuro, luxo de poucas famílias endinheiradas – o que indica que o gaiteiro não era querido apenas nas classes populares. Desde então, apenas outro artista regionalista do Sul tem sido comparado a ele em venda de discos e popularidade nacional: seu ídolo Teixerinha.
Com Gaúcho da Fronteira tocando em todo o Brasil, os CTGs também começaram a ceder espaço.
– Foi muito difícil abrir uma brecha. Conseguimos tocar em alguns clubes do Paraná, depois de Santa Catarina, aí os do Rio Grande do Sul também foram se abrindo – conta Vergínia.
O compositor Vaine Darde foi um dos responsáveis pelo sucesso nacional de Gaúcho, sendo seu parceiro em Vaneirão Sambado e Rock Bagual.
– O Vaine (Darde, compositor) foi muito importante nisso. Ele criava a mistura e o Gaúcho matava no peito – avalia Sady Soares.
Vaine lembra que, depois desse estranhamento inicial, mesmo os tradicionalistas mais ortodoxos aceitaram a mistura:
– Foi uma inovação. No início, houve esse ranço, mas depois já pediam para o Gaúcho incluir Vaneirão Sambado no repertório dos CTGs. Viajei algumas vezes com ele. Em Bagé, em um ginásio enorme, lembro que vi casais e senhores de idade dançando vaneirão com aquela pegada de samba. Foi maravilhoso ver aquilo sendo aceito.
Em 1990, foi a vez de Gaúcho construir mais uma ponte musical, desta vez com o Nordeste. Forronerão, parceria com João Guerreiro no disco Gaitaço, abriu porteiras para sedimentar a carreira do artista na terra do forró, onde até hoje tem boa circulação. Em 1999, o cantor gravou até mesmo o CD ao vivo Forronerão, em Fortaleza (CE), com o conjunto Brasas do Forró, que segue hoje em constante atividade.
Além do Brasil, o artista costuma tocar em países como Argentina, Uruguai e Paraguai. Em 1989, fez até algumas apresentações em universidade de Nashville, nos Estados Unidos.
– Gaúcho da Fronteira é um nome fundamental para a nossa música regionalista. Abriu porteiras para nossa arte em todo o Brasil. Não importa o rincão onde a gente vá, alguém sempre diz "uma vez o Gaúcho da Fronteira esteve aqui". Ele integrou nossa cultura com outros núcleos musicais, mas sem jamais perder a identidade. Não há quem possa negar que o Gaúcho é um símbolo da nossa tradição – avalia Neto Fagundes.
Depois de alcançar reconhecimento nacional, com direito a se experimentar a vida de astro de cinema no filme Gaúcho Negro, produção de Xuxa Meneghel lançada em 1990, o gaiteiro seguiu com o foco na estrada, fazendo às vezes dezenas de shows por mês. Só parou por aproximadamente três meses em 1999, por conta de uma cirurgia no coração, operação que gerou comoção por parte dos fãs e teve grande repercussão na imprensa.
Aos 70 anos, leva uma vida confortável, passando a maior parte do tempo de folga entre uma casa em Eldorado do Sul e um apartamento adquirido há pouco tempo em Porto Alegre, mais próximo da escola da filha de 12 anos, fruto do segundo casamento. Também passa temporadas na estância La Furiosa, terra que foi comprando em torno de onde sua família habitava no Uruguai, onde, atualmente, cria gado de corte.
A frequência das viagens foi baixando com o tempo. Nos anos 1990, contava com um escritório no qual trabalhava juntamente com 15 pessoas. Hoje, as soluções são caseiras: é sua mulher, Adriana, quem agenda suas apresentações.
– Quando a gente é mais novo e nosso tipo de música está mais na mídia, acaba sendo mais solicitado. Mas vamos nos adaptando aos tempos – diz, satisfeito com a estrutura de que dispõe, suficiente para fazê-lo passar a maior parte dos finais de semana rodando pelo Brasil.
Os músicos que o acompanham são os mesmos há cerca de 30 anos.
– Não temos repertório pré-definido. A gente entra, se olha e já sabe o que é para tocar – diz o baterista João Bigode.
Com a crise da indústria fonográfica, os CDs já não são mais fonte de renda, mas Gaúcho segue lançando trabalhos eventualmente. Tem engavetado um disco em homenagem ao compositor Horacio Guarany, que pretendia lançar ao lado dele, mas foi surpreendido pela morte do argentino em janeiro.
Já a mais nova parceria é com o jovem Thomas Machado, vencedor do programa The Voice Kids. Gravou com o astro mirim uma versão de Céu, Sol, Sul, Terra e Cor, de Leonardo, justamente seu primeiro produtor. A faixa estará no CD Filhos do Rio Grande, que o jovem talento está prestes a lançar pela Universal.
O momento atual da carreira de Gaúcho da Fronteira representa bem o que foi sua trajetória até aqui: uma ponte entre a tradição e a contemporaneidade. Ao mesmo tempo em que homenageia Guarany, uma das mais importantes vozes dos gauchos argentinos, posa ao lado de Thomas, uma estrela recém-projetada pela indústria do entretenimento.
– É uma satisfação muito grande cantar a música de ontem, de hoje e, quem sabe, ficar soando por aí além dos horizontes – sonha o gaiteiro, com as botas pisando firme mais um salão de baile.