No alto do Morro da Borússia, em um "castelo" de madeira cercado por pinheiros e com vista para o Parque Eólico de Osório e a Lagoa dos Barros. De bermuda e pés descalços, recebendo amigos, bebendo água com carvão ativado e enrolando cigarros artesanais. Colando sons captados nas ruas do México, improvisando com ruídos e refletindo sobre a existência. Assim está sendo gestado o novo disco da Apanhador Só.
Desde o início de outubro que o núcleo duro da banda – Alexandre Kumpinski, Felipe Zancanaro e Fernão Agra – e o produtor Diego Poloni se afastaram da civilização para iniciar o trabalho que dará origem ao sucessor de Antes que tu conte outra. Lançado em 2013, o álbum ganhou prêmios, franqueou uma turnê internacional e botou o grupo a tocar tanto em palcos gigantes como o do Lollapalooza quanto nas salas de estar dos fãs.
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– Foram três anos muito intensos – comenta Kumpinski. – Mas chega o momento em que o ciclo de um disco se fecha e é hora de começar a pensar adiante. Depois da última turnê, paramos quatro meses para descansar e compor, cada um fazendo suas próprias canções. Daí viemos para cá.
O retiro atual foi inspirado em processo semelhante ao que a Apanhador lançou mão no trabalho anterior, quando o grupo se isolou em um sítio em Gravataí para realizar a pré-produção e depois rumou para São Paulo para as gravações. Mas, uma vez no estúdio, perceberam que grande parte da vibração captada no mato deveria permanecer no corte final.
– Muita coisa ficou com o espírito e uma certa tosqueira que o ambiente propunha, caso da música Cartão postal – lembra Zancanaro. – Desde então, até pelo jeito como fazemos as coisas, sabíamos que não faria mais sentido entrar em estúdio, com estrutura, ar-condicionado, salas isoladas, enfim.
No castelo do Morro da Borússia, uma construção de três andares de toras nuas e concreto armado, sem mobiliário ou eletrodomésticos, a música vai sendo produzida no ritmo do estalar da madeira, sem rotina definida, no meio do entra e sai de amigos.
O processo criativo é indissociável do bem-estar dos músicos: na falta de uma agenda para ser cumprida, cada um grava quando se sente bem e o encaixe vai acontecendo naturalmente. E eles não parecem nada mal, a julgar pelo painel com 21 músicas já testadas pela banda.
A despretensão se espalha pelo estúdio. Montado no segundo andar do espaço, seus microfones captam as rajadas de vento que entram pelas frestas e não se importam com o zumbido dos insetos ou a falta de isolamento acústico. Para o produtor Diego Poloni, que coproduziu o trabalho anterior, a casa está sendo determinante para a obtenção da sonoridade:
– Um estúdio tradicional é uma ferramenta para realizar um disco, enquanto a casa é parte do disco. Aqui, o baixo vibra junto com as paredes, coisa que não aconteceria em outro lugar.
Porém, pouco do produto final pode ser revelado. A própria banda ainda não sabe bem qual será o humor do disco. Sabe-se apenas que colagens sonoras serão um elemento presente – recurso constatado pela reportagem durante a audição de algumas das faixas.
– Podemos dizer que este disco está menos mordido e mais salivante – brinca Kumpinski, fazendo referência a uma das músicas mais marcantes do álbum de 2013, que chegou a ser usada em vídeos dos protestos de junho daquele ano.
Reforçar a imagem de porta-voz de uma certa agenda anti-establishment, no entanto, não faz parte dos planos da Apanhador Só. Todos, sem exceção, acreditam no fazer artístico independente de pressões ou expectativas, sejam estas quais forem. E acreditam, também, que seu público está preparado para o que virá.
– As pessoas gostam da Apanhador e do risco de serem instigados – avalia Kumpinski. – E não gostar faz parte dessa relação. Estamos tranquilos.