– Isto que é música! – grita uma senhora de 70 anos, após Marcos Sabino apresentar Reluz, sucesso dos anos 1980, no painel Ninho da Criação, na segunda-feira, no Centro de Eventos do Hotel Plaza São Rafael. O evento faz parte da programação da 12ª Festa Nacional da Música, que pela primeira vez é realizada em Porto Alegre.
Na mostra, compositores brasileiros de sucesso falaram sobre seus processos criativos e as origens de seus hits, além de tocá-los para o público presente. Além de Sabino, participaram do evento Nano Cordel, Sá (da dupla Sá & Guarabyra) e a dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas.
Em sua quarta edição, foi a primeira vez que o Ninho da Criação foi aberto ao público – formado, em sua maioria, por senhoras que integram a Associação Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Previdência Social (ANAPPS). Durante as performances dos compositores, que revisitavam sucessos de décadas passadas, elas atuaram como a segunda voz.
Sullivan e Massadas abriram os trabalhos com Me dê motivo, canção que eles escreveram para Tim Maia. Foi o cantor, aliás, que ensinou Sullivan a tocar violão.
Também contaram histórias do Síndico, como quando ele ligou de madrugada, chorando, implorando para gravar Leva – que era um jingle composto para a Rádio Bandeirantes, de São Paulo. No telefone, Tim alegou que sua mulher o havia abandonado e que ele precisava muito cantar essa música. Sullivan, que era a voz do comercial, estava relutante:
– Tim, tem cantar em outro tom, porque este é mais alto. Você tem certeza disto?
O tom choroso da voz do Síndico tornou-se grave.
– Meu irmão, eu te ensinei a cantar, e você está me falando que eu não consigo cantar no seu tom? Ivanilton (nome verdeiro de Michael Sullivan), você não canta mais que o Tim Maia! – disparou o cantor, que conseguiu gravar uma nova versão de Leva.
Massadas relatou a história de como compôs Ursinho Blau Blau, do grupo Abshyntho, processo que levou 15 dias. Ele recebeu uma música cheia de onomatopeias para escrever a letra em cima e estava com dificuldade para lidar com "blau blau".
– Lembrei de um documentário que assisti sobre pessoas que dormem com ursinhos e se confessam com eles. Aí imaginei o Sylvinho Blau-Blau se confessando sobre uma garota – explicou.
Nando Cordel contou sobre a vez que Sullivan lhe incentivou a escrever músicas para as massas e, para isso, o hospedou em um hotel cinco estrelas. O compositor pernambucano tinha a missão de escrever 12 músicas populares em um mês. Deslumbrado com a comida e o conforto do estabelecimento, após um banho na piscina, Nando compôs 14 canções em uma tarde. Mas não avisou o colega.
– Fiquei com medo de ligar para ele, vai que me tirasse do hotel – divertiu-se.
– Ele ficou seis meses! – brincou Sullivan.
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No evento, Nando tocou sucessos como Isso aqui tá bom demais, De volta ao meu aconchego e Gostoso demais – hits interpretados por nomes como Dominguinhos e Elba Ramalho. Porém, quando recitou um trecho de É só você querer ("O meu amor é seu / É só você querer / Eu faço qualquer coisa / Pra ficar com você"), provocou uma reação mais excitada da plateia.
– Ai, que delícia! – exclamou uma mulher da plateia, que, em seguida, passou uma cantada no compositor, o convidando para sua casa.
Sá tocou clássicos de sua parceria com Guarabyra, como Sobradinho e Roque Santeiro (tema da novela homônima da Globo, exibida em 1985). Aliás, ele também explanou sobre outra música de autoria da dupla que era trilha sonora do folhetim: Dona, tema da viúva Porcina (Regina Duarte).
– Uma vez estávamos em um hotel, em Goiânia. De repente, ouvi umas batidas no chão, vindas do andar de baixo. Fui ver e era o Guarabyra. "Ficou maluco? Vai ficar socando o teto?". Ele disse que estava terminando uma música e que eu precisava vê-la. Na época, o Guarabyra tinha uma namorada poderosíssima, no caso, que mandava nele – lembra o cantor.
Como a dupla já estava com duas faixas na novela, a produção do folhetim achou melhor que a canção inspirada em uma amante arbitrária fosse executada por outro grupo, que acabou sendo o Roupa Nova.
Sullivan e Massadas encerraram o painel no melhor clima de final de festa de casamento tocando Whisky a go go e levantando a plateia. Mas teve bis: um medley de Uni duni tê e É de chocolate, sucessos do Trem da Alegria e da Xuxa, respectivamente. Só faltou Lua de cristal, outro clássico da dupla. Durante as canções infantis, as senhoras de faixa etária acima dos 60 anos, em média, cantaram e dançaram os sucessos direcionados para as crianças no anos 1980, época em que já eram bem adultas.
– É a terceira infância – definiu Massadas ao encerrar.
– São músicas infantis trabalhadas como se fossem para adultos, com arranjos e melodias muito bem feitas. Só a letra que dava uma mudada no discurso. Por isso que até hoje tanto a juventude quanto pessoas de 60 ou 70 anos curtem – analisa Sullivan.
Ou seja, isto que é música.