A quentura do chá sabor canela fazia dançar um vapor perfumado, que se misturava à fumaça do incenso aceso no quarto. Em Kansas City, no Estado norte-americano do Missouri, Leo Rech, um dos vocalistas, compositores e guitarristas da banda gaúcha Catavento se percebeu em um transe a respeito da liquidez da vida, das relações e do tempo. Na caixa onde estavam os sachês restantes de chá, a frase "we hope our tea delight you" ficou gravada na cabeça do jovem que passava o período, entre agosto de 2013 e janeiro de 2014, nos Estados Unidos. "Esperamos que o nosso chá agrade a você", dizia o texto, em tradução livre.
– Quando se está fora, existe aquela sensação de liberdade. Há uma vontade de que aquilo dure para sempre – explica Rech. – Você começa a temer pelo fim daqueles momentos.
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A caixa de chá veio para o Brasil com Rech. A banda dele, a Cavatento, estava prestes a lançar o primeiro disco, o petardo Lost youth against the rush, algo traduzido como "juventude perdida contra a pressa", e cujo nome faz todo sentido dentro do contexto do grupo formado em Caxias do Sul. Daquela viagem a Kansas City, Rech voltou com quatro canções – além dos tais sachês com cheirinho de canela – e pronto para a nova aventura do Catavento. Lost youth colocou os mais alternativos de olho naquela trupe amalucada e majoritariamente cabeluda que vinha do sul, lançada pelo selo Honey Bomb, um belo exemplo do faça-você-mesmo que tem ditado as regras da música, ultimamente.
É no encontro da modernidade líquida – e seus amores –, emprestada diretamente do filósofo e escritor polonês Zygmunt Bauman, com aquela frase simpática da caixinha de papel que nasceram as diretrizes de CHA, o segundo álbum do Catavento, cujo lançamento oficial em São Paulo ocorre nesta sexta, dentro da festa Premiera Freak, no simpático Z Carniceria, em Pinheiros, a partir das 23 horas.
Gravado entre 2014 e 2016, CHA é um filho direto da atenção recebida pelo Catavento desde o lançamento do primeiro disco. Os jovens deixaram Caxias para rodar o País em festivais de música independente. De ilhados na cidade natal, passaram a conhecer a cena psicodélica à qual invariavelmente pertenciam – embora o noise das guitarras e as vozes mais escondidas por ecos e efeitos os diferencie da boa safra psicodélica brasileira. Com CHA, o Catavento dá um salto gigantesco em experimentações, profissionalismo, e se tornam capazes de atingir novas constelações com suas alucinações sonoras sem pressa ou sujeira.
– Já me disseram que Lost youth é um disco mais agressivo. O que é muito louco, porque ele foi gravado de uma forma tão ingênua – explica Rech. – CHA, por sua vez, tem menos isso. São músicas que foram criadas por nós da mesma forma talvez ingênua, mas depois produzidas. Continuamos experimentando muito.
Trata-se de um disco mais colaborativo do que o antecessor. Rech, por exemplo, assina apenas quatro das nove faixas. Abre-se espaço para as criações do outro Leo da banda, o Lucena (voz e guitarra), duas canções de Johnny Boaventura (voz e teclado) e uma de Eduardo Panozzo (baixo). Cada um é dono da voz principal da faixa que compôs. Completam a trupe Lucas Bustince (bateria) e o recém-ingresso Francisco Maffei (sintetizadores).
Leo Lucena assina City's angels, o primeiro single de CHA, e é a patada mais garageira do trabalho.
– O outro Leo tem uma banda de hardcore – entrega Rech.
Lucena canta sobre banhos de sol e seguir aquilo no qual se acredita.
– Caxias do Sul é uma cidade muito industrial e a sociedade espera que você vá ter um emprego em uma indústria, que tudo seja certinho – conta Lucena. Os integrantes do Catavento, todos entre 22 e 25 anos, deixaram os respectivos empregos em agências de comunicação para seguir pelos caminhos que a estrada levar o Catavento. Em São Paulo para o lançamento de CHA, por exemplo, a trupe de Caxias se dividirá para os pernoites em dois apartamentos de amigos.
É esse espírito libertário e jovem que impulsiona as canções ao longo de 37 minutos de som. O Catavento catapulta o ouvinte para o espaço sideral de uma só vez. E, contrariando todas as leis da física, mesmo em meio ao nada e às estrelas, o catavento gira, hipnótico.
– Não sabemos o que estamos fazendo, qual é o nosso tipo de som e para quem estamos fazendo isso – diz Rech. – Mas tem sido ótimo.
CATAVENTO
Premiera Freak. Z Carniceria. Av. Brigadeiro Faria Lima, 724, Pinheiros, tel.: 2936-0934.
Sexta-feira, às 23h. R$ 15.