Em 1966, o disco instrumental O violão de Toquinho apresentou o virtuoso músico de 20 anos que em seguida se tornaria um dos mais renomados artistas da música popular brasileira. Adolescente ainda, Antonio Pecci Filho já fazia as seis cordas vibrarem na efervescente cena musical paulistana que reunia nomes como, entre outros, Chico Buarque, um de seus primeiros letristas parceiros. Mas foi ao lado de Vinicius de Moraes (1913 – 1980) que Toquinho consolidou a trajetória que celebra no palco, a extensão de sua casa, como define.
Para comemorar seus 50 anos de carreira, Toquinho formatou um espetáculo em que apresenta sucessos de diferentes épocas ao lado de convidados. No show que chega a Porto Alegre nesta sexta-feira, às 21h, no Teatro do Bourbon Country, a parceria é com a cantora carioca Joyce Moreno. Os ingressos custam entre R$ 140 e R$ 320 (veja mais informações abaixo).
No repertório estão previstas canções como Que maraviha (com Jorge Ben), Carta ao Tom 74 (com Vinicius) e Aquarela (com Vinicius, Guido Morra e Maurizio Fabrizio), um dos maiores hits de Toquinho (com Vinicius, Guido Morra e Maurizio Fabrizio), que aproveitou a melodia de Uma rosa em minha mão, gravada por ele em 1974. Joyce, por sua vez, cantará de seu repertório faixas como Clareana e Monseiur Binot.
Os 50 anos de carreira coincidem com os 70 anos de idade que Toquinho completou no dia 6 de julho. Em entrevista por e-mail a Zero Hora, o artista faz um balanço dessa profícua trajetória, lembra de Vinicius, comenta seu perfil agregador e afirma que vive em um processo de "constante renovação e contínuo aprimoramento":
– Penso muito na música Para viver um grande amor: "Eu não ando só / só ando em boa companhia / com meu violão / minha canção e a poesia". Há uma comemoração a cada acorde novo, a cada subida no palco, a cada disco gravado, a cada aplauso do público que se renova por muitas gerações.
Você comemora em 2016, 70 anos de idade e 50 do lançamento de seu primeiro disco, O violão de Toquinho. Que balanço faz de sua carreira?
Perdura a sensação de uma constante renovação e de um contínuo aprimoramento. Cada ano robustece o seguinte, e as décadas se diluem na descoberta de técnicas novas e na extensão do vigor ampliado pelas conquistas e pelos sucessos. O tempo não apaga o que nos arde na alma. Essa longa trajetória só pode ser alcançada com muita dedicação. Eu me considero um artesão, sempre apoiado no violão, que representa o início e o desenvolvimento de tudo. E a música será sempre uma chama a aquecer minha dedicação ao instrumento. Estudo todos os dias a procura de novos acordes e harmonias. Amo fazer o que faço, o palco é a extensão de minha casa. Nele sou simples e íntimo da plateia. A cada show, comemoro minha formação musical, que me possibilitou esse desenvolvimento. Além de meu mestre maior, Paulinho Nogueira, tive aulas de harmonia com Edgard Gianullo e adquiri algum conhecimento de violão clássico com Isaias Sávio, além de seguir as performances de Turíbio Santos. Somando a isso, tive aulas de orquestração com o maestro Léo Peracchi. E para complementar essa mistura de tendências, sempre fui um apaixonado pelo estilo de Baden Powell. Em meio a essa trajetória de aprendizados, surgiram as parcerias que valorizam sobremaneira minhas composições. O resto, a vida se incumbiu de mostrar-me valores e caminhos que eu soube aproveitar usando meu talento maior: o de instrumentista.
Você é conhecido por ser um artista agregador, que consagrou nestes 50 anos parcerias de destaque. Qual a sua, digamos, receita, para encontrar a harmonia e a dinâmica no trabalho com outras pessoas?
Toda parceria tem como base a amizade e a confiança mútua. Há sempre uma troca, e tive o privilégio de trabalhar com parceiros que valorizaram minha obra com letras dignas de autênticos poetas da música. Aprendi muito, principalmente com Vinicius, a ponto de também me aventurar como letrista de muitas canções, especialmente nas parcerias com Mutinho (o gaúcho Lupicínio Moraes Rodrigues, sobrinho de Lupicínio Rodrigues). Cada palavra tem de se ajustar com a melodia respectiva, e, quando se é músico, só trabalhando em parceria se aprende isso.
Falando em parcerias, você era ainda muito jovem quando começou sua parceria com o já consagrado Vinicius de Moraes. Qual o maior legado que você carrega dos 11 anos em que trabalharam juntos?
Dificilmente acontecerá em minha carreira uma parceria tão profícua e importante quanto aquela com Vinicius de Moraes, consolidada pela generosidade, pela compreensão das diferenças e pela troca de talentos. Enfim, trocamos vivências: eu passei para ele a experiência da juventude; ele me transmitiu a juventude da experiência. E nos completamos na música e na amizade. Nossa música, simplesmente sofisticada, aflorou e se consolidou em meio ao predomínio do tropicalismo e reacendeu nas pessoas os valores do samba de raiz. Além disso, faço parte de uma geração privilegiada, herdeira da estrutura musical da bossa nova, que nos confere ainda, até hoje, a qualidade maior no cenário musical brasileiro. Vinicius contribuiu sobremaneira para que eu aperfeiçoasse minha condição de músico e artista de palco, o que ele realizava, aliás, com a maior competência e carisma.
Nessa turnê comemorativa você tem convidado muitos amigos com quem já trabalhou. Isso torna cada espetáculo único na escolha das canções ou o convidado se adapta ao repertório que você escolhe?
Desde o início de minha trajetória, as parcerias têm sido fundamentais. Tanto nas composições como nos shows. Nessa trilha de comemoração de 50 anos de carreira, vários parceiros dividiram e dividem o palco comigo, como Verônica Ferriani, João Bosco, Ivan Lins, MPB4, em shows de grande sucesso. Tenho feito shows com Tiê Biral, que sempre valoriza os espetáculos com sua graça e suavidade; Carlinhos Lyra, um dos ícones da bossa nova, notável melodista, ídolo na minha adolescência; e Roberto Menescal, outro expoente da bossa nova, mestre de minha e tantas gerações. É um prazer redobrado tê-los ao meu lado nessa fase marcante de minha vida. O show ao lado de Joyce dará prosseguimento a essa série de apresentações. Minha relação de amizade com todos eles faz com que a dinâmica dos shows se ajuste ao repertório de cada um, pois temos a mesma raiz musical, plantada numa época mágica da música popular brasileira. Joyce é uma parceira de longas caminhadas, já fizemos muitos shows juntos, no Brasil e na Europa. Grande instrumentista e cantora de voz peculiar, compositora de primeira linha. Temos tudo para fazer um show intimista com a participação do público ouvindo sucessos que gosta de cantar junto.
Que critérios você usa para definir o repertório de cada show?
Minha obra musical permite que eu faça um show diferente a cada apresentação. Isso favorece a improvisação com a característica de cada parceiro de palco, fazendo com que a dinâmica do espetáculo varie conforme a vibração da plateia.
Que novos artistas da MPB vocês destaca, entre cantores e instrumentistas? Gosta de trocar experiências com nomes da nova geração, como por exemplo, a cantora Joyce Cândido, com que você já se apresentou?
Sempre estive atento aos novos valores da música brasileira e gosto de tê-los ao meu lado nos shows, o que acontece desde minha parceria com Vinicius, que era mestre nessa experiência de descobrir talentos e trabalhar com eles. Assim foi com Maria Creuza, Simone, Clara Nunes, Miúcha e tantas outras, e agora com Verônica Ferriani, Anna Setton, Tiê e a própria Joyce Cândido.
A forma de se consumir e descobrir música se transformou radicalmente no ambiente digital. O que você destaca como positivo e negativo nesse processo de conversão? De que forma você usa as plataformas digitais para divulgar e comercializar sua obra e também para ouvir outros artistas?
É imperioso se adaptar ao mundo digital e sua imediata comunicação. A música se espalha por diversos veículos eletrônicos e temos de aproveitar todos eles. Mas o disco continua sendo ainda um requintado cartão de visitas, vivo e perpetuado no tempo. Para ouvir, o rádio continua sendo minha plataforma preferida.
Em suas viagens pelo Exterior, como você percebe o interesse do público estrangeiro pela chamada música popular brasileira clássica?
Desde a bossa nova a admiração pela música brasileira ganhou uma dimensão universal, e essa admiração se estende aos seus autores e intérpretes. Somos herdeiros de sua estrutura melódica que tanto encanta o mundo e soubemos valorizá-la a ponto de despertar nos outros povos um interesse cada vez maior. Em todas as vezes que toquei fora do país, fui acolhido generosamente pelo público, e isso me faz muito bem.
No desfile das delegações que participam dos Jogos Olímpicos no Rio, o atleta de Tonga ganhou destaque e muita gente lembrou da canção A tonga da mironga do kabuletê, um de seus maiores sucessos com Vinicius e que sempre foi cercada de um mistério sobre seu significado: xingamento em nagô aos militares na ditadura militar, expressão em yorubá ou brincadeira fonética. Qual versão você prefere?
Qualquer uma que possa representar uma depreciação ou crítica ao que seja nefasto às pessoas, como foram os anos da ditadura e como estão sendo todos os atos relativos à corrupção nos tempos atuais.
Qual sua opinião sobre o momento político que o Brasil vive? Como você avalia a tentativa que o governo interino fez para acabar com o Ministério da Cultura e a mobilização da classe artística nesse período de intensa polarização de opiniões antagônicas?
Vivemos um momento de difícil transição, resultado não só dos desmandos mas também da inépcia da presidente. O governo que estava legitimado pelo voto popular não tinha força no Congresso, nem no próprio partido, e ficou isolado pela voz das ruas. Este governo que aí está, apesar da interinidade, se esforça para ganhar espaço, tem mais habilidade e busca caminhos para equilibrar a economia. Ele sabe recuar quando percebe os erros, como foi o caso da tentativa de eliminar o MinC. Pela Constituição, não tínhamos outra saída nesse momento. Agora temos de aguardar os novos desdobramentos da Lava Jato, que abre uma oportunidade histórica para o país se comprometer com a ética e reduzir a corrupção.
Toquinho e Joyce
Teatro do Bourbon Country (Avenida Túlio de Rose, 80).
Sexta-feira, dia 12/8, às 21h. Estacionamento no local.
Ingressos: R$ 320 (camarotes), R$ 250 (plateia baixa), R$ 230 (plateia alta), R$ 190 (mezanino) e R$ 140 (galerias). Desconto de 50% para sócio do Clube do Assinante e acompanhante em todos os setores. Vendas nas bilheterias do teatro, no site ingressorapido.com.br e pelo fone 4003.1212.