Três amigos sentam juntos em uma tarde de calor em Porto Alegre para bater papo e relembrar as suas histórias. Uma atividade que ocorre com frequência em vários cantos da cidade e aconteceu, novamente, neste domingo (3). E a conversa, felizmente, foi compartilhada com uma animada plateia, que lotou a sala Noé de Melo Freitas, no Espaço Força e Luz, no Centro Histórico, dentro das atividades da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre.
Os três amigos em questão são nomes de peso: a crítica literária Léa Masina, o professor de Literatura Sergius Gonzaga e o escritor Sergio Faraco. Ao longo de mais de uma hora, a conversa colocou o patrono da Feira do Livro no foco, levantando temas como carreira e produção literária, bem como suas influências, desafios e a paixão que guia sua obra.
O público presente no encontro pôde ter um lampejo do processo criativo de Faraco, que relata que escreveu um dos seus contos mais célebres, O Voo da Garça-Pequena, a partir de uma história de uma gata que pariu. A sua imaginação o levou para outros caminhos e a narrativa, no final das contas, sequer tem um felino. Ao ser questionado sobre qual seria o seu conto favorito, ele discorreu:
— O conto favorito não é o melhor ou o mais bem acabado. Geralmente, o conto que o autor mais aprecia é aquele que deu mais trabalho para escrever.
Em seguida, o patrono relatou o desafio de levar a emoção que sente até a folha em que está escrevendo:
— O leitor só vai sentir se a literatura chegar. Tenho contos em que não consegui chegar à linguagem adequada e não publiquei. Teve um que comecei com a minha filha com seis meses de idade e só fui concluir quando ela estava fazendo residência médica. Levou 25 anos. E não é um grande conto.
Léa, por sua vez, rasgou elogios ao amigo, salientando o primoroso trabalho dele dentro da escrita que é se aprofundar no humano, incluindo quando Faraco escreve sobre o regionalismo. Segundo a crítica literária, isso o coloca como o melhor contista vivo do Brasil.
— Comecei a olhar para os mendigos de maneira diferente depois do Faraco. Afinal, é uma pessoa que está ali, com um passado, uma vida. E isso está em todos os livros dele, ensinando a ter empatia.
Já Gonzaga salientou o talento do amigo como contista contemporâneo, uma vez que, em sua escrita, o autor deixa pontos em aberto em suas histórias.
— É como se ele apanhasse um pequeno momento, saísse na rua e fizesse um flagrante. E este estabelecimentos de pontos cegos, de coisas que você não consegue enxergar, é a essência da literatura contemporânea – comentou o professor.
O patrono, por sua vez, pontuou, com humildade:
— Essas coisas que o Sergius e a Léa disseram, na verdade, eu não penso na hora de escrever. Eu só trato de contar uma história. Nada além disso. E, na maioria das vezes, eu nem sei como essa história vai terminar.
Depois do bate-papo, o patrono da Feira do Livro foi à Praça de Autógrafos assinar a sua obra mais recente, Digno É o Cordeiro (L&PM Editores, 120 páginas). Na fila, que precisou ser manobrada pelos organizadores, dado o tamanho que alcançou, havia nomes aclamados como o escritor Alcy Cheuiche, que foi patrono em 2006.
Segundo ele, que é amigo de Faraco desde a infância, o atual patrono nunca teve disposição para entrar no processo de eleição para ser o símbolo do evento, como era necessário antigamente. Agora, com a mudança no formato das escolhas, pelo conjunto da obra, convidar o autor de Digno É o Cordeiro foi “um caminho natural”.
— Entre todos os troféus literários que eu já recebi, ser patrono da Feira foi o maior deles — afirma Cheuiche. — Porque este é o único evento cultural do Rio Grande do Sul conhecido mundialmente. A literatura é universal e o Faraco compartilha comigo desta filosofia. Ele é um representante autêntico da literatura gaúcha e brasileira.