Fortemente aplaudida no início e ao final de suas falas, a drag queen Rita Von Hunty usou palavras para fazer rir, acolher e incendiar o público que saiu de casa para prestigiá-la na Praça da Alfândega na noite desta quinta-feira (7) chuvosa, a maioria pessoas LGBT+, conforme identificaram-se erguendo a mão quando a convidada da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre perguntou quem ali era gay, lésbica, bi ou trans.
Persona do ator, youtuber e palestrante Guilherme Terreri Lima Pereira, ela ficou conhecida por transmitir conhecimentos de filosofia, política e gênero de forma didática e de livre acesso na internet. Terreri é graduado em Artes Cênicas pela Unirio e em Letras pela USP.
Na conversa mediada pela escritora e editora Paula Taitelbaum, Rita, que vestia saia e terninho vermelhos, falou sobre sua vida em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, onde ainda criança, já identificava-se como alguém fora dos padrões e, principalmente, um rebelde de pensamento.
Foi na sala de aula que surgiram os primeiros ímpetos de querer ajudar minorias constantemente ofendidas e também de entender o mundo de forma intelectual. No currículo escolar, algumas expulsões, uma delas por atacar um menino que praticava bullying com uma colega com baixa visão.
Ao aproximar-se dos mais estudiosos, Guilherme passou a ler autores que questionavam o senso comum tido como regra.
— Comecei a estudar e a ficar amiga dos CDFs. Lembro que, com 12 ou 13 anos, uma amiga disse que as prisões eram os lugares onde eram depositados os corpos que não importavam a ninguém. E que a mãe dela era abolicionista penal. Foi assim que eu comecei com Angela Davis — disse, citando a escritora, feminista e ativista americana.
Questionada se não tem vontade de escrever um livro, Rita disse que a escrita ainda é uma forma de conhecimento pouco difundida no Brasil, e que a oralidade pela qual consegue transmitir suas ideias em vídeos na internet acaba sendo mais clara e efetiva.
— A nação de leitores ainda é um sonho para o Brasil. Ler ainda é algo descolado da nossa realidade social. Comecei a entender que o livro era para outro contexto e que o YouTube era mais acessível. E percebi que havia algo da comunicação verbal que não tem na comunicação escrita. O que está escrito tem interpretações diversas — ponderou.
Opinou como pessoas que não são heterossexuais, brancas e não se encaixam no padrão tido como normal podem afirmar suas identidades em uma sociedade marcada pelo preconceito e violência contra negros e pessoas LGBT+. Eram momentos em que a fala de Rita acolhia.
— Esconder-se ou fazer como a Vera Verão (drag queen negra e que foi ícone no Brasil nas décadas de 1990 e 2000) são estratégias de luta. Não existe a pior ou a melhor. Existe aquela que vai te permitir ficar vivo e sobreviver — falou.
Na tentativa de responder ao grande número de perguntas da plateia, Rita submeteu todas ao voto e escolheu apenas uma — quis exercer com a plateia como funciona a democracia. A questão era: "Como continuar tendo esperança?"
— A esperança é uma construção. É construindo um coletivo de mulheres que você tem esperança; é levando cesta básica para quem precisa, construindo moradia, fazendo piquete para que a árvore não seja derrubada. Nossas esperanças costumam advir de pequenas vitórias cotidianas.
Citou o livro Ao Farol (1927), de Virginia Woolf, em que a autora, em determinado trecho, diz que "a grande revelação talvez nunca chegasse. Em vez disso, havia pequenos milagres cotidianos, iluminações, fósforos inesperadamente riscados na escuridão".
Usando da metáfora da escritora inglesa, inflamou a plateia a permanecer ativa e lutando por um mundo mais igualitário.
— "Esperançar" vem das pequenas iluminuras do dia. O que eu diria: você vai construir a esperança, você não vai encontrá-la. E você tem que continuar a ser capaz de ver beleza. Quem sabe riscando vários fósforos a gente não consegue incendiar quem merece ser incendiado?